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Leonardo Sakamoto

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Bolsonaro queimaria dinheiro de Biden, como ajudou a queimar a Amazônia

Colunista do UOL

21/04/2021 13h07

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Não adianta o governo dos Estados Unidos injetar bilhões para combater o desmatamento na Amazônia se o presidente Jair Bolsonaro e o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, continuam enfraquecendo fiscalizações do Ibama e do ICMBio, alterando regras ambientais para que se tornem inócuas e deixando de cobrar multas impostas a desmatadores ilegais. Ou seja, se o governo brasileiro continuar sendo o principal sabotador do meio ambiente.

Nesse cenário, a única razão para Estados Unidos, Noruega, Alemanha ou qualquer outro país transferir fundos para o governo brasileiro em nome da proteção da Amazônia seria interesse geopolítico ou comercial. Ou seja, o bem-estar da maior floresta tropical do mundo e dos seus povos e trabalhadores não estaria contemplado nesse acordo.

O governo Jair Bolsonaro tem se esforçado em mostrar que o Brasil precisa de bilhões de dólares para conter o desmatamento na Amazônia, esforço que se intensificou com a proximidade da Cúpula de Líderes sobre o clima, convocada pelo presidente norte-americano Joe Biden, para esta quinta (22). É claro que a implementação de ações para a região custa dinheiro. E é claro que os grandes poluidores do mundo têm o dever de ajudar.

Mas a enquanto o governo continuar incentivando a ocupação e a exploração irregular e violenta da Amazônia Legal, tudo isso será conversa para boi dormir.

Pois os bilhões seriam usados para implementar a visão de Bolsonaro e Salles para a região, o que significa substituir a fiscalização ambiental civil por equipes militarizadas sem experiência e que preferem cumprir ordens do que seguir a lei. Além disso, o governo, que vive em pé de guerra com as denúncias da sociedade civil, de jornalistas e dos procuradores da República, ganharia uma lavagem de sua imagem coberta de fuligem.

Sem contar que populações tradicionais, como indígenas, quilombolas e ribeirinhas, que garantem as mais altas taxas de conservação dentro de seus territórios, seriam alvo de mais violência institucional. Vale lembrar que a visão de desenvolvimento sustentável do presidente é transformar territórios indígenas em locais de mineração, pastagens e lavouras de soja, sem direito a nenhum novo centímetro de área demarcada.

O diálogo internacional seria mais honesto com governadores de Estados da Amazônia legal do que com Bolsonaro. O problema é que Estados não controlam o leilão do 5G, por exemplo.

Na segunda (19), o Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon) divulgou que o desmatamento na região registrou o pior mês de março dos últimos dez anos - foram 810 quilômetros quadrados devastados, mais de três vezes a área do ano passado.

Tanto no combate à pandemia quanto no enfrentamento à destruição ambiental, o governo abriu mão de seu papel de prevenir e fiscalizar e atua de forma agressiva para impedir que qualquer ator público ou privado ocupe o vácuo por ele deixado.

Eleito com o apoio de pecuaristas, madeireiros e garimpeiros que operam de forma ilegal, Bolsonaro não apenas faz corpo mole diante de suas responsabilidades diante da Amazônia, como ataca qualquer ação que prejudique os interesses desses aliados.

Tentativas de interferência em sua estratégia são respondidas com discursos violentos. O presidente chegou ao absurdo de culpar os povos tradicionais pelas queimadas na Amazônia em discurso na Assembleia Geral das Nações Unidas no ano passado. Ou seja, responsabilizou as próprias vítimas.

Ao mesmo tempo, governadores, prefeitos, médicos, cientistas que, diante da catástrofe humanitária, agiram para reduzir o contágio pelo coronavírus foram duramente atacados por ele. O presidente chegou a ir ao Supremo Tribunal Federal para impedir a adoção de isolamento social, ou seja, pelo direito de salvar vidas. É uma negligência violenta, que não faz e impede que outros façam.

Aceitar as propostas de Bolsonaro e Salles para a Amazônia seria fazer um pacto com o diabo, com todo o respeito ao tinhoso, que caiu de gaiato nessa comparação.

Outros governos são bem-vindos para discutir a política de terra arrasada, mas qualquer acordo estabelecido que ignore que o principal causador do problema é o próprio presidente da República, seus assessores e os grupos econômicos que ele representa, significará que outros países, no fundo, também vêm na discussão sobre mudanças climáticas apenas mais uma ferramenta para um bom negócio.

Como me explicou um brasileiro envolvido nas negociações das cúpulas do Clima das Nações Unidas, este governo apenas tenta ganhar tempo e não vai cumprir promessas. O que nos resta é denunciar e reduzir seus impactos, sabendo que as coisas só devem melhorar quando ele passar.