Topo

Leonardo Sakamoto

ANÁLISE

Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.

Com minoria na CPI, Bolsonaro contará com apoio da máquina de ódio on-line

Reprodução / Internet
Imagem: Reprodução / Internet

Colunista do UOL

27/04/2021 11h32

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido

A CPI da Pandemia começa, nesta terça (27), com o governo contando com apenas quatro dos 11 senadores que vão analisar suas ações e omissões no combate à covid-19. Em minoria no espaço institucional, Bolsonaro vai levar a guerra às redes sociais através de milícias digitais a fim de disseminar seus "fatos alternativos".

É o que indica o comportamento da máquina de desinformação e de ódio a serviço do presidente, que já estão operando no Modo CPI. O objetivo é tentar desmoralizar qualquer indício de irregularidade contra o governo federal e, ao mesmo tempo, empurrar as investigações para o colo de governadores, compensando a minoria na comissão.

Mesmo os parlamentares da oposição mais otimistas não apostam que a CPI possa levar à cassação de Bolsonaro, apesar de farto material para subsidiar um impeachment. O centrão continua dando sustentação ao governo, escorando-se na justificativa de que cerca de 30% da população não o abandonou.

Bolsonaro precisa que isso continue como está. Para não ter sobressaltos na conclusão de seu mandato e a fim de garantir maiores chances de reeleição em 2022.

Para tanto, as listas de WhatsApp e os grupos de Facebook que dão suporte ao presidente, e já distribuíam material contra a CPI da Pandemia nas últimas semanas, estão em plena produção nesta terça.

Compartilham memes e mensagens afirmando que Bolsonaro vai começar uma importante batalha de seu mandato e que ele precisa, mais do que nunca, da ajuda dos "patriotas" para combater mentiras.

Ataques a adversários, como o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), propositor da CPI e seu vice-presidente, bem como contra o senador Renan Calheiros (MDB-AL), apontado como relator da comissão, também circulam nas listas e grupos.

Isso contradiz a falsa calma que o próprio presidente quis transmitir, ao afirmar, nesta segunda (26), que não está preocupado com as investigações, "porque não devemos nada".

Senadores de oposição ou independentes que puxarem temas sensíveis ao governo devem se tornar alvo de ataques e ameaças, bem como depoentes. Um dos alvos preferenciais será o ex-ministro da Saúde e presidenciável, Luiz Henrique Mandetta, reciclando os ataques a ele nas redes bolsonaristas nos últimos meses.

Vale lembrar que o poder dessa CPI é menos o relatório final e mais o impacto causado na sociedade por suas revelações ao longo do processo.

Por isso, o foco das redes bolsonaristas será garantir que a parcela da população que continua apoiando o presidente não acredite nos depoimentos e documentos que vierem à tona, principalmente aqueles que demonstrem ações deliberadas do governo de ampliar o contágio da população, e consequentemente o número de mortos, em nome da imunidade de rebanho.

O governo tem cerca de 16% de seguidores considerados bolsonaristas-raiz, que pulam no penhasco se o presidente mandar, segundo institutos de pesquisa. Contudo, há algo entre 10% e 14% que não acreditam em tudo o que ele diz e que, apesar de resistentes até agora ao seu lado, podem mudar de opinião. Principalmente se for comprovada corrupção em um cenário de crise econômica e de emprego.

Nesse sentido, recai suspeitas de superfaturamento sobre a produção e compra de cloroquina, produto comprovadamente ineficaz para combater a covid-19, mas que foi promovido a elixir mágico por Bolsonaro. Mostrar que houve desvio de dinheiro para algo inútil enquanto a população pedia oxigênio hospitalar pode retirar apoio desse grupo.

Por isso, o tema vai receber a atenção das milícias digitais do presidente. Podemos esperar, portanto, um festival de ataques ad hominem, ou seja, contra quem fala e não contra o conteúdo que a pessoa traz.

O modus operandi não é novo, foi adotado na campanha eleitoral de 2018 e é repetido todas as vezes em que Bolsonaro precisa de apoio. Para quem achava que o jogo sujo só recomeçaria em 2022, a CPI deve ser um test drive do que será o tóxico ambiente digital no ano que vem.