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Leonardo Sakamoto

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Com ameaça de golpe eleitoral, Bolsonaro esconde rachadinha e corrupção

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Imagem: Shutterstock

Colunista do UOL

08/07/2021 16h40

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Acuado por gravações, reveladas pelo UOL, que indicam que embolsou salários de servidores de seu gabinete quando deputado federal e pelas denúncias de corrupção envolvendo seu governo no processo de compra de vacinas contra covid-19, Bolsonaro ameaçou novamente os brasileiros, nesta quinta (8), com um golpe de Estado no ano que vem. Tá ficando chato de tão repetitivo.

A tática é uma junção do útil com o agradável - para ele, claro. Mistura uma cortina de fumaça manjadérrima com a ameaça de derrubar a democracia no ano que vem, tendo sucesso naquilo que Donald Trump falhou ao tentar reverter a derrota eleitoral no grito. A cada surto autoritário, Jair aumenta um pouco a bizarrice para causar espanto. Agora, ele diz que as eleições podem nem acontecer.

Afirmou aos seus seguidores em frente ao Palácio do Alvorada que "ou fazemos eleições limpas no Brasil ou não temos eleições". Parte de uma premissa mentirosa (que as eleições não são limpas no Brasil porque não há voto impresso) e coloca em risco o processo de escolha do próximo presidente. A possibilidade de alternância de poder é um dos pilares da democracia, não que ele se importe com isso.

Em suma, para Bolsonaro, eleições limpas são as que ele ganha.

A nova ameaça vem no momento em que as denúncias já pesam sobre sua imagem. Pesquisa Datafolha, divulgada nesta quinta (8), aponta que ele atingiu a maior reprovação desde o início do mandato: 51%. A aprovação continua no mínimo histórico, 24%.

Jair passou quase três décadas sendo reeleito como um parlamentar come-xinga-dorme-xinga, sem ter aprovado um projeto de lei relevante. Enquanto era reconduzido a cada quatro anos à possibilidade de coletar rachadinhas, não questionou a lisura das eleições para deputado federal no Rio de Janeiro.

Parece a criança mimada que sempre ganhou os jogos que disputou e quando percebe que há uma chance de perder, diz, de antemão, que o resultado será roubado se não for do jeito dele. Quando a gente jogava disputadas peladas ou partidas de taco na rua de terra ao lado da casa onde cresci, meninos de nove anos tinham muito mais dignidade que isso.

Bolsonaro despejou esse chorume durante a eleição de 2018 de forma preventiva. Desde então, tem dito que a venceu no primeiro turno. "Pelas provas que tenho em minhas mãos, que vou mostrar brevemente, eu fui eleito no primeiro turno mas, no meu entender, teve fraude", afirmou em março de 2020. Nunca mostrou nada. Pior, diz que quem tem que apresentar provas de que a eleição não foi roubada é o Tribunal Superior Eleitoral.

O equivalente a acusar alguém de ladrão e cobrar da pessoa a prova de que é honesta.

Os sucessivos ataques à urna eletrônica querem preparar terreno para uma derrota em 2022, excitando seus seguidores civis mais fiéis e deixando suas tropas de policiais simpatizantes de prontidão. A impressão do voto, para ele, tem o objetivo de criar mais uma forma de questionar a eleição, não de melhorar a sua segurança.

Ao mesmo tempo, como já dito, usa o bafafá para afastar as denúncias de peculato, corrupção e prevaricação que abundam sobre ele e aliados.

A repetição dessas ameaças já causa impactos na sociedade. A maioria da população (55,4%) acredita que os candidatos derrotados à Presidência da República, na eleição do ano que vem, não aceitarão o resultado, segundo pesquisa CNT/MDA, divulgada na segunda (5). Claro que o único pré-candidato que tem indicado sistematicamente que não aceitará nada que não seja a sua própria eleição é o próprio Bolsonaro. É ele o sujeito oculto da pesquisa.

Em 1º de julho, o presidente havia prometido não entregar o cargo se perder com eleições fraudadas. Contudo, deixou claro que vai considerar fraudada uma eleição em que Lula vencer. "Eu entrego a faixa presidencial a qualquer um que ganhar de mim na urna de forma limpa. Na fraude, não. Para o Brasil, agora: tiraram o Lula da cadeia. Os crimes são inacreditáveis. Tornaram um ladrão elegível. No meu entender, para ser presidente na fraude, porque, no voto, ele não ganha, não ganha de ninguém. Então, não vou admitir um sistema fraudável de eleições", afirmou em sua live semanal.

A mesma pesquisa CNT/MDA aponta que, no primeiro turno, Lula teria 41,3% das intenções de voto, Bolsonaro, 26,5%, Ciro e Moro, 5,9% cada. Na disputa de segundo turno, Lula venceria Bolsonaro por 52,6% a 33,3%, e Ciro ganharia do atual presidente por 43,2% a 33,7%.

Se Bolsonaro gastasse a quantidade de tempo em que passa atuando por sua reeleição (seja ameaçando golpes, seja viajando com nosso dinheiro para fazer campanha pré-eleitoral, seja promovendo carreatas em sua própria homenagem) fazendo algo útil, como o combate à covid-19, milhares de brasileiros não teriam morrido e milhões não teriam perdido o emprego.

Mas aí não seria Bolsonaro, esse moleque mimado que pensa primeiro em si mesmo. O pequeno Jair deve estar morrendo de medo do que vai acontecer se ele amanhecer em Primeiro de Janeiro de 2023 sem a imunidade presidencial. Pena de quem mora neste país.