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Notas de repúdio não vão impedir golpe de Estado de Bolsonaro em 2022
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Existe um naco da sociedade que acredita no potencial revolucionário de notas de repúdio da mesma forma que há outro que crê na indignação das bolhas de Twitter como o coração da transformação social. Jair Bolsonaro deve achar graça no fato que, enquanto ele bombardeia a democracia, a resposta de algumas instituições vem na forma de reclamações que precisam de um dicionário para serem integralmente compreendidas.
Após o presidente da República ameaçar diariamente o país com um golpe de Estado, colocando em dúvida a realização de eleições presidenciais se não estiver à frente nas pesquisas, o presidente do Supremo Tribunal Federal, Luiz Fux, nem o citou diretamente na crítica que fez a ele no discurso de abertura do semestre da corte nesta segunda (1º).
"Permanecemos atentos aos ataques de inverdades à honra dos cidadãos que se dedicam à causa pública. Atitudes desse jaez deslegitimam veladamente as instituições do país", disse ele aos seus pares e à meia dúzia de brasileiros que sabe o significado da palavra "jaez".
E por mais relevante que seja uma nota de repúdio assinada por todos os ministros do STF (menos Kassio Nunes Marques, básico) e por ex-presidentes do TSE, o momento de críticas e reclamações passou há muito tempo. A nota vai ser ignorada por Bolsonaro, que deve usá-la para assoar o nariz ou coisa pior. Ele já provou que só entende a força da lei e, muitas vezes, nem isso.
Com o impeachment distante, ainda mais após o senador Ciro Nogueira (PP-PI) assumir a gerência da lojinha, ou seja, da Casa Civil, em nome do centrão, as instituições que restaram precisam usar o que têm em mãos para frear, com ações, o ímpeto golpista de Jair. Pelo menos aquelas que não foram sequestradas pelo presidente.
Nesse sentido, é bem-vindo que o Tribunal Superior Eleitoral finalmente aprovou, nesta segunda, a abertura de um inquérito administrativo para apurar os ataques de Bolsonaro ao sistema eletrônico de votação e suas ameaças às eleições de 2022. Isso pode subsidiar ações eleitorais que levariam à cassação do mandato.
E enviou uma notícia-crime ao STF para que ele seja investigado por conta da live, da última quinta (29), em que mentiu sobre ter provas de fraudes da urna eletrônica e ameaçou a realização das eleições. O TSE quer que ele seja investigado no inquérito que trata das fake news, sob responsabilidade do ministro Alexandre de Moraes. A decisão foi tomada de ofício, sem a Procuradoria-Geral da República. Até porque, se dependesse de Augusto Aras, não ia rolar.
Outras ações reais foram tomadas quando, por exemplo, a ministra Rosa Weber levou à humilhação pública da Procuradoria-Geral da República que "desincumbiu-se de seu papel constitucional" ao não querer abrir investigação sobre a prevaricação do presidente diante de denúncias de corrupção na compra de vacinas. Teve que voltar atrás.
Ou quando o ministro Alexandre de Moraes abriu um inquérito para verificar a existência de uma "organização criminosa" digital "com a nítida finalidade de atentar contra a democracia e o Estado de Direito" no lugar do inquérito sobre os atos antidemocráticos - o que enlouqueceu Bolsonaro por atingir em cheio seus filhos políticos.
Vale lembrar que o TSE analisa ação que pede a cassação da chapa de Bolsonaro e do general Hamilton Mourão devido ao disparo ilegal de mensagens em massa na eleição de 2018, que teriam sido bancados por empresários e beneficiado ambos os candidatos. Infelizmente, a ação segue devagar.
Bolsonaro, enquanto isso, vai conversando com a sua base com a linguagem que ela entende, mantendo-a excitada e pronta para defende-lo. As manifestações deste domingo (1º), em prol do voto impresso e do golpe de Estado, foi menor que as de Primeiro de Maio, mas não desprezíveis. Ela serve também para demonstrar força para setores da economia e da política que o apoiam, enquanto ele torce para uma melhoria do nível de emprego e pelo crescimento do PIB para tirar o pescoço de sua popularidade da forca.
O projeto de país do clã Bolsonaro é um governo populista autoritário apoiado por setores da extrema-direita da população, determinadas categorias profissionais e parte do empresariado, notadamente setores do agronegócio e do mercado financeiro. Nesse plano, as instituições que não podem ser domesticadas são consideradas inimigas, tornando-se alvo de pedidos de fechamento por parte de seguidores fanáticos do presidente ou de ataques pelo próprio.
Se as instituições não emparedarem o comportamento criminoso de Bolsonaro agora, no final do ano que vem as notas não serão de repúdio, mas de lamento.