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Leonardo Sakamoto

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Se não dá para comprar feijão, Bolsonaro não vai matar a fome com fuzis

Colunista do UOL

27/08/2021 13h45

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Maria Antonieta, rainha da França no século 18, nunca declarou "se o povo não tem pão, que coma brioches", apesar da frase ter entrado para o anedotário histórico. Mas Jair Bolsonaro, presidente do Brasil, chamou de "idiota" quem usa como argumento o preço do feijão e sugeriu que seus seguidores adquirissem fuzis.

"Tem que todo mundo comprar fuzil. Povo armado jamais será escravizado. Sei que custa caro. Tem idiota, 'ah, tem que comprar feijão'. Cara, se não quer comprar fuzil, não enche o saco de quem quer comprar", afirmou na porta do Palácio do Alvorada nesta sexta (27).

O escárnio é mais uma peça de convocação dos bolsonaristas-raiz para as manifestações em apoio ao presidente e ao seu golpismo marcadas para o dia 7 de setembro. Aqui, ele quer atingir caçadores, atiradores e colecionadores (CACs), beneficiados com decretos que facilitaram acesso a armas e munição. O problema é que não se pode comer fuzis.

Temos fome, miséria e problemas sociais por conta da insuficiência de políticas do governo e do próprio caos provocado pelo presidente, que não governa, apenas faz campanha eleitoral.

E não é só o feijão. Os trabalhadores de Belo Horizonte sabem que o preço do quilo do tomate aumentou quase 40% no mês passado, os de Vitória viram o café disparar 11% e os do Rio amargaram um aumento de mais de 8% no açúcar. Os brasileiros, em geral, sentiram um salto de 22% na cesta básica no último ano, dados do Dieese. Enquanto isso, há 14,8 milhões de desempregados, um recorde segundo o IBGE.

E quando a fome apertou (eram 19,1 milhões de famintos no final do ano passado), Bolsonaro cancelou o auxílio emergencial em 31 de dezembro e só retomou em abril, com valores mixurucas de R$ 150, R$ 250 e R$ 375 - muito menos que os R$ 600 ou R$ 1200 do primeiro semestre de 2020.

Na pandemia, o presidente já havia atualizado a frase atribuída a Maria Antonieta mais de uma vez. Não há registro que ele ou o então ministro da Saúde, general Eduardo Pazuello, tenham dito: "se o povo de Manaus não tem oxigênio hospitalar, que engula cloroquina". Mas foi o que, de fato, fizeram. O que, segundo Omar Aziz (PSD-AM), presidente da CPI da Covid, transformou os moradores da capital amazonense em "cobaias" da imunidade de rebanho.

E, em primeiro de junho, Jair disse que "quem quer mais [auxílio emergencial], é só ir no banco e fazer empréstimo". O que os trabalhadores informais pobres que perderam o emprego por conta da pandemia e não estão conseguindo sobreviver com o novo valor do benefício vão dar como garantia de um empréstimo, ninguém sabe. Fuzis?

Vale lembrar que Bolsonaro e sua equipe de apoio custaram para nós cerca de R$ 1,8 milhão em hospedagem alimentação, passagens aéreas e gastos no cartão corporativo no Carnaval, em São Francisco do Sul (SC). Ele já tinha usado R$ 2,3 milhões dos cofres públicos para curtir o final do ano na mesma São Francisco do Sul e no Guarujá (SP). Um total de R$ 4,1 milhões. As informações foram requeridas ao governo pelos deputados federais Elias Vaz (PSB-GO) e Rubens Bueno (Cidadania-PR).

Com esse montante seria possível comprar quase 600 toneladas de feijão.

Sobra ao presidente que não consegue garantir comida na mesa dos brasileiros sugerir a seus seguidores armarem-se até os dentes. Para enfrentar qual inimigo? Todos os que consideram feijão mais importante que fuzil.