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Leonardo Sakamoto

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Brasil só conseguirá cumprir metas do clima se trocar de presidente em 2022

Foto tirada em 15 de agosto de 2020 mostra queimada ilegal na Amazônia, em Novo Progresso (PA) - Carl de Souza/AFP
Foto tirada em 15 de agosto de 2020 mostra queimada ilegal na Amazônia, em Novo Progresso (PA) Imagem: Carl de Souza/AFP

Colunista do UOL

31/10/2021 09h08

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Qualquer meta de redução de emissões de carbono com a qual o Brasil se comprometa na COP 26, a conferência das Nações Unidas sobre as mudanças climáticas, que começa neste domingo (31), será letra morta se o presidente da República continuar sendo Jair Messias Bolsonaro.

Todos os que se debruçam sobre o assunto, de cientistas a organizações da sociedade civil, passando por políticos racionais, técnicos do governo e diplomatas até agropecuaristas, industriais e investidores responsáveis sabem que a reeleição de Jair em 2022 lhe dará um salvo-conduto para aprofundar uma política predatória.

Sua recondução o poder representará, na prática, uma banana que os brasileiros darão a esses acordos e ao resto do mundo, mas também à sua própria qualidade de vida e de seus filhos e netos, uma vez que eventos climáticos extremos, como secas, chuvas, tempestades de poeira, estão cada vez mais frequentes e transformando nossa vida num inferno.

Ou você acha que a falta de água nos reservatórios das hidrelétricas foi apenas derivada de uma seca sazonal trazida pelo fenômeno La Niña? Ignorando que a vazão dos rios mudou e o país está mais seco (perdemos 15,7% de superfície de água em quase 30 anos, o equivalente a 3,1 milhões de hectares, de acordo com pesquisa do MapBiomas), o governo Bolsonaro fez uma gestão negacionista dos reservatórios e, hoje, estamos sob risco de apagão e com conta de luz nas alturas.

Desde o início de seu mandato, Bolsonaro tem enfraquecido as instituições de fiscalização, como o Ibama, o ICMBio e a Funai, protegendo madeireiros, garimpeiros e pecuaristas ilegais. É vergonhoso admitir para o mundo, mas grileiros de terra e invasores de territórios indígenas são a base de apoio do presidente do Brasil.

Tanto que não é segredo que Jair tem abertamente dito a eles que podem ficar tranquilos que seu governo garante a impunidade diante do desmatamento. E empunhando teorias da conspiração sobre a invasão da Amazônia por países estrangeiros, ele traz para o balaio um naco dos militares desconectado da realidade.

Não só. Em discurso na abertura da Assembleia Geral das Nações Unidas em 2020, ele culpou os indígenas pelo fogo que consumiu trechos da floresta amazônica. As imagens as queimadas provocadas por produtores ilegais circularam pelo mundo, ajudando a nos elevar à categoria de párias ambientais.

Caso exemplar dessa política bolsonarista em que o certo torna-se errado e o errado vira o certo foi a punição a Alexandre Saraiva, delegado da Polícia Federal responsável pela maior apreensão de toras de madeira da história. Após encaminhar uma notícia-crime ao Supremo Tribunal Federal contra o então ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, por ele ter dificultado o trabalho da fiscalização e defendido interesse dos criminosos, Saraiva foi transferido da Amazônia para Volta Redonda (RJ).

Como o Brasil vai explicar se alguém questionar na COP 26 que o ministro responsável pela área ambiental foi acusado de ajudar no comércio ilegal de madeira na floresta amazônica e também recomendou ao presidente aproveitar que a imprensa estava focada nas mortes por covid-19 para "passar a boiada", derrubando leis e regras de proteção ambiental, como ele fez na hoje famosa reunião ministerial de 22 de abril de 2020?

Bolsonaro sentia orgulho de Salles porque, dentre todos os ministros, ele era um dos que mais entregava o prometido, executando a visão de mundo do presidente. 

Isso será tão difícil quanto tentar explicar como um Congresso Nacional que vota leis que ajudam a esquentar terras públicas roubadas, não raro palco de desmatamento ilegal, tenta aparecer como preocupado com a mitigação dos impactos das mudanças climáticas e com a adaptação do país a essa nova realidade. O comportamento é semelhante a alguém que caiu no esgoto jogar purpurina para disfarçar.

Claro que há gente muito boa e comprometida na delegação brasileira que está em Glasgow, na Escócia. Mas, dada essa contradição gritante entre discurso e prática, seria melhor assumirmos que o objetivo do governo na conferência é fazer greenwashing, a famosa lavagem de marca. Considerando que há muita multinacional estrangeira com o mesmo objetivo, que adora doar uma cesta básica e fazer um comercial bonitão para a TV, mas não investe para tornar seu negócio menos predatório, é capaz de conseguirmos vários aliados de peso.

O presidente topa discutir redução de emissões de metano através da adaptação da atividade pecuarista. Só não quer fiscalizar e punir quem deixar de fazer isso. Como bem disse a ativista sueca Greta Thunberg, governos como o nosso gostam de um bom blá, blá, blá. 

Para todos nós, o cronômetro está em contagem regressiva. Estamos próximos de atingir o ponto de não retorno, em que a floresta amazônica não conseguirá mais se regenerar diante das agressões, o que levará à sua savanização e a uma reação em cadeia em outras regiões do país, como alerta Carlos Nobre, um dos mais importantes cientistas brasileiros.

Na introdução de seu livro "Justiça Climática", a ex-presidente da Irlanda, Mary Robinson, que foi a chefe do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos e é uma das figuras mais respeitadas sobre o tema das mudanças climáticas, afirma que a crise global de covid-19 trouxe valiosas lições sobre como devemos lidar com a crise do clima. Disse que a boa governança, o respeito à ciência e a compaixão com os outros são fundamentais.

Infelizmente, esse tripé é atacado pelo governo de Jair Bolsonaro no Brasil, tanto na crise de covid-19 quanto na crise ambiental. Em ambos os casos, há sabotagem por parte do Estado, ataque a cientistas, desdém pela vida. Como resultado, temos mais de 607 mil mortos e taxas de desmatamento recorde, bem como a degradação da qualidade de vida não apenas de comunidades tradicionais, mas do resto do país.

O que fazer quando o nosso próprio governo age como inimigo do presente e do futuro? Como o impeachment é algo distante porque Jair é galinha dos ovos de ouro do centrão, a resposta está nas urnas.