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Leonardo Sakamoto

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

General Heleno ameaça o STF, mas não canta mais 'se gritar pega centrão'

General Augusto Heleno - Dida Sampaio/Estadão Conteúdo
General Augusto Heleno Imagem: Dida Sampaio/Estadão Conteúdo

Colunista do UOL

15/12/2021 08h19

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Cabe ao general Augusto Heleno, ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional, dar uma lembrada, de tempos em tempos, que o seu chefe, o capitão Jair Bolsonaro, pode promover um golpe de Estado. Ajuda a manter o país sob tensão e a extrema direita excitada.

Desta vez, afirmou que tem que se controlar para não fazer com que o presidente tome uma atitude mais drástica quanto ao Supremo Tribunal Federal.

"Temos um dos Poderes que resolveu assumir uma hegemonia que não lhe pertence, não é... não pode fazer isso, está tentando esticar a corda até arrebentar. Nós estamos assistindo a isso diariamente, principalmente da parte de dois ou três ministros do STF (...) E que eu, particularmente, que sou o responsável, entre aspas, por manter o presidente informado... eu tenho que tomar dois Lexotan na veia por dia para não levar o presidente a tomar uma atitude mais drástica em relação às atitudes que são tomadas por esse STF que está aí."

O áudio, divulgado por Guilherme Amado, do portal Metrópoles, teria sido registrado em uma formatura da Abin, a Agência Brasileira de Inteligência, que está sob a aba de Heleno.

Não é o primeiro caso, nem será o último. Em 16 de agosto, em entrevista à Jovem Pan, ele havia afirmado que as Forças Armadas podem atuar como um "poder moderador", o que não existe na Constituição, e que não acredita em um golpe militar "no momento".

Em maio do ano passado, diante de um pedido de apreensão de celulares do presidente da República e de seu filho, o vereador Carlos Bolsonaro, como parte de uma notícia-crime protocolada no Supremo, o então ministro Celso de Mello enviou para a decisão do procurador-geral da República, Augusto Aras, seguindo o rito processual. A apreensão não foi determinada pelo PGR, mas bastou para Heleno mandar uma ameaça.

"O Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República alerta as autoridades constituídas que tal atitude é uma evidente tentativa de comprometer a harmonia entre os poderes e poderá ter consequências imprevisíveis para a estabilidade nacional." Mais explícito do que isso, só com os nomes do cabo e do soldado que eles mandariam para fechar a corte.

Já em outubro de 2019, após o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) sugerir um novo AI-5 caso a esquerda se radicalizasse, Heleno não demonstrou repúdio, mas disse: "se [Eduardo] falou, tem de estudar como vai fazer, como vai conduzir". O ato institucional, baixado pela ditadura em dezembro de 1968, deu poderes ao Palácio do Planalto para fechar o Congresso, cassar direitos, censurar a população e descer o cacete geral.

Mas, em fevereiro de 2020, Augusto Heleno esqueceu de tomar o tal Lexotan ao qual se refere ao conclamar o governo a não ficar "acuado" pelo Congresso Nacional e pedir ao presidente "convocar o povo às ruas". Ao ministro da Economia, Paulo Guedes, e ao então ministro-chefe da Secretaria de Governo, general Luiz Eduardo Ramos, disse: "não podemos aceitar esses caras chantageando a gente. Foda-se". O áudio foi captado em uma live, em que ele dizia não ser aceitável o Legislativo avançar sobre recursos do Executivo.

Desde então, houve um duplo twist carpado. Para evitar um impeachment, o governo Bolsonaro ajoelhou-se perante o centrão, transformando em BFF aqueles que tanto o general quanto o capitão criticavam.

O coração político da gestão, a Casa Civil e a Secretaria Geral, foram entregues ao senador Ciro Nogueira (PP-PI) e à deputada Flávia Arruda (PL-DF). E instituído um Bolsolão, um mensalão bolsonarista, para irrigar com bilhões em emendas, muitas das quais parte de um orçamento secreto, como revelou o jornal O Estado de S.Paulo, para garantir a governabilidade e impedir a cassação de Jair.

Tudo isso é muito irônico. Pois seria natural que o general estivesse se referindo ao centrão ao se afirmar que "temos um dos Poderes que resolveu assumir uma hegemonia que não lhe pertence". Mas não, ele trata do STF, que está simplesmente colocando os freios que a Constituição lhe permite aos desatinos do governo.

Mais irônico ainda porque, nunca é demais lembrar, no encontro que oficializou a candidatura de Bolsonaro à Presidência em 2018, Augusto Heleno fez uma paródia de "Reunião de Bacana", de Ary do Cavaco e Bebeto Di São João, cantada por Exporta Samba, Originais do Samba e Fundo de Quintal. "Se gritar pega centrão, não fica um meu irmão", trocando "ladrão" por "centrão".

Em maio deste ano, disse que aquele episódio era "brincadeira". E tem convivido bem com centrão, fiador da sobrevivência do chefe.

Uma parte do Congresso Nacional transformou o governo Jair Bolsonaro em seu caixa eletrônico em nome da própria sobrevivência política. Mas o que incomoda ao general é quem protege a Constituição. Tanto que esqueceu as críticas ao centrão e foca naqueles que seu chefe elegeu como inimigos.

O que nos leva a crer que quem precisa de Lexotan não é Heleno, mas o povo. Isso se o governo Bolsonaro não tivesse reduzido o programa Farmácia Popular, claro.