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Político lamentar Petrópolis após dilapidar proteção ambiental é cinismo
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Um rosário de parlamentares e governantes correu para lamentar a tragédia em Petrópolis em declarações nas TVs e redes sociais loco após as chuvas da última terça (15). Afinal de contas, estamos a poucos meses da eleição. Mas, nos últimos três anos, muitos agiram como engenheiros do caos. Ao invés de ajudar a reduzir o impacto da bomba das mudanças climáticas, aumentaram seu poder de destruição ao suprimir parte das leis e normas ambientais que nos garantem alguma proteção. Tudo para facilitar a vida da parte anacrônica do agronegócio, do extrativismo, da construção civil.
Tragédias como a de Petrópolis, com sua dolorosa quantidade de mortos, desabrigados e desalojados, é o tipo de evento extremo que cientistas têm em mente ao alertar para as mudanças climáticas. As secas que atingiram as cabeceiras dos grandes rios brasileiros no ano passado, baixando o nível dos reservatórios e elevando a conta de energia elétrica também.
Os registros históricos de chuvas e de secas, citados por governantes para justificar o caos, não valem mais para efeito de comparação porque o clima mudou. E isso deveria ser levado em conta no planejamento, se planejamento houvesse.
Ao comentar a tragédia de Petrópolis, o presidente Jair Bolsonaro afirmou que não chovia tão forte assim na região há 90 anos e que, portanto, não havia muito o que fazer para evitar uma "catástrofe". Isso remeteu a outra declaração dada por ele: em maio do ano passado, disse que a seca que colocou as hidrelétricas em risco era "a pior crise hidrológica da história" e, diante disso, sentenciou "vai ter dor de cabeça".
O discurso de que nada poderia ser feito diante "desastres naturais" é típico de governos que não querem ou não sabem investir em planejamento urbano e contenção de encostas, no caso de chuvas, e planejamento hídrico, no caso de secas.
Ironicamente, os únicos planos que realmente avançaram nos últimos anos foram os de afrouxamento das leis ambientais pelas mãos de deputados e senadores no Congresso (ajudando a esquentar terras públicas roubadas, por exemplo) e de retalhamento de portarias e instruções normativas no Ministério do Meio Ambiente. Sem contar, é claro, o grande projeto de enfraquecimento de instituições de fiscalização, monitoramento e controle, como o Ibama e o ICMBio.
A morte quase absoluta das políticas ambiental e climática do Brasil é talvez um dos mais graves defeitos deste governo, e dos mais prejudiciais ao país no longo prazo. E todos os que se debruçam sobre o assunto, de cientistas a organizações da sociedade civil, passando por políticos racionais, técnicos do governo e diplomatas até agropecuaristas, industriais e investidores responsáveis sabem que a reeleição de Jair em 2022 lhe dará um salvo-conduto para aprofundar essa ação predatória sobre as regras ambientais e sobre o clima.
É vergonhoso admitir para o mundo, mas grileiros de terra e invasores de territórios indígenas são a base de apoio do presidente do Brasil. Tanto que não é segredo que ele tem abertamente dito a eles que podem ficar tranquilos que seu governo garante a impunidade diante do desmatamento.
O que muitos chamam de inferno é apenas um aperitivo de nosso novo normal. Já adentramos uma nova era de extinção em massa de uma série de espécies no planeta. Talvez menos a nossa. Pois, ao final, os ricos comprarão sua proteção ambiental e herdarão a Terra.
E o que restará para a população pobre, como as famílias que estão chorando seus mortos em Petrópolis, no Sul da Bahia, em Minas Gerais e em São Paulo - vidas levadas pela lama e pela falta de planejamento neste verão? O consolo cínico de que Deus quis assim porque suas mortes não poderiam ter sido evitadas.