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Leonardo Sakamoto

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Gravação demitiria Ribeiro e cassaria Bolsonaro, mas país reprovou em ética

Colunista do UOL

22/03/2022 02h23

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O áudio em que Milton Ribeiro reconhece, de forma descarada, que prioriza a liberação de verbas da Educação para amigos de um pastor a pedido de Jair Bolsonaro (PL) levaria à demissão imediata do ministro e à abertura de processo que poderia cassar o presidente se a República não tivesse virado um puxadinho do Vivendas da Barra.

Nesse condomínio de interesses, o primeiro pode até perder o cargo e ser entregue para saciar a opinião pública se o escândalo alcançar grandes proporções. Afinal, é ano eleitoral e uma coisa em que esse governo é bom é terceirizar culpas do presidente. O segundo, contudo, sabe que pode dobrar o país às necessidades de sua reeleição porque é sócio do centrão na Câmara dos Deputados e tem um procurador-geral da República para chamar de seu.

Na gravação, obtida por Paulo Saldaña, da Folha de S.Paulo, o ministro deixa claro que a política pública sob Bolsonaro não é guiada pelas necessidades de planejamento de um país que precisa investir em educação por critérios técnicos se quiser garantir um futuro decente a milhões de crianças e jovens, mas pelos acordos estabelecidos entre Bolsonaro e quem pode lhe despejar votos de eleitores e fiéis.

"Porque a minha prioridade é atender primeiro os municípios que mais precisam e, em segundo, atender a todos os que são amigos do pastor Gilmar", disse o ministro. "Porque foi um pedido especial que o presidente da República fez para mim sobre a questão do Gilmar."

De acordo com a reportagem, o ministro indicou que existia uma contrapartida aos recursos, sem dar detalhes: "Então o apoio que a gente pede não é segredo, isso pode ser [trecho inaudível] é apoio sobre construção das igrejas".

Em 14 de fevereiro, Milton Ribeiro disse em um encontro de prefeitos e gestores da educação, em Andradina (SP), que "nós não temos mais ladrões assentados nos ministérios, chega disso. Nós temos agora é que usar o dinheiro público com os brasileiros". Ele só não explicou que quando diz "brasileiros" referia-se, na verdade, aos pastores Gilmar Santos e Arilton Moura.

Reportagem de Breno Pires, Felipe Frazão e Julia Affonso, do jornal O Estado de S.Paulo, publicada na sexta (18), havia revelado o esquema de um gabinete paralelo da Educação, sequestrado por pastores sem vínculos formais com o governo, que negociavam com prefeitos a liberação de recursos da pasta.

Santos e Moura, que pertencem à Convenção Nacional de Igrejas e Ministros de Assembleias de Deus no Brasil Cristo para Todos, coordenariam o esquemão.

É triste que, no momento em que o Brasil mais precisa de gente capacitada operando dentro de parâmetros pedagógicos para correr atrás do tempo perdido nas escolas públicas durante a pandemia de covid-19, o ministério da Educação seja um instrumento para ajudar os aliados do presidente. E, por conseguinte, o próprio. O velho toma-lá-dá-cá.

Entregar os recursos do ministério, neste momento crítico, para a decisão de pastores e não pedagogos e gestores públicos, demanda alguém que não se importe com o futuro de crianças e adolescentes, mas com a manutenção do seu próprio quinhão de poder.

Não é à toa, portanto, que Milton Ribeiro afirmou que a homossexualidade não é normal, mas fruto de "famílias desajustadas", em setembro de 2020. E que crianças com deficiência "atrapalham" o aprendizado das demais, dizendo que "é impossível a convivência" com algumas delas nas escolas, em declaração de agosto de 2021. Sem contar que ajudou a tornar o Enem um campo de batalha da guerra cultural do presidente em detrimento da tranquilidade dos estudantes.

Jair encontrou a pessoa perfeita para essa função.