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Bolsonaro ameaça ignorar decisões do STF, primeiro passo de um golpe
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Jair Bolsonaro reafirmou, nesta segunda (25), que pode descumprir decisões judiciais do Supremo Tribunal Federal se a corte votar contra o seu desejo, o que seria o primeiro passo para a instalação de um regime autoritário.
Em discurso na cerimônia de abertura da 27ª Agrishow (Feira Internacional de Tecnologia Agrícola em Ação), em Ribeirão Preto (SP), ou seja, falando principalmente ao agronegócio, o presidente disse que, caso o STF decida contra o marco temporal, ele pode simplesmente ignorar.
A tese do marco temporal defende que indígenas só podem reivindicar terras que já eram ocupadas por eles no dia da promulgação da Constituição Federal, em 5 de outubro de 1988, ou áreas que já disputavam judicialmente naquele momento, apesar de nada disso estar escrito em nossa Carta Magna.
Considerando que parte desses povos estavam expulsos de seus locais de origem há 34 anos, na prática, isso é uma tremenda de uma sacanagem.
"Se ele [ministro Edson Fachin, relator do caso no STF] conseguir vitória nisso, me restam duas coisas: entregar as chaves para o Supremo ou falar que não vou cumprir. Eu não tenho alternativa", disse Bolsonaro hoje.
Quando se fala em golpe de Estado, a imagem histórica remete a uma fila de tanques descendo de Minas Gerais até o Rio de Janeiro e a imagem moderna aponta para um cabo e um soldado batendo na porta do STF, como já disse aqui. Mas o uso de tropas é desnecessário. Para um golpe, basta que o Poder Executivo passe a governar no arrepio da Constituição, ignorando ordens judiciais e leis.
Por exemplo, fazendo de conta que a decisão sobre o marco temporal nunca existiu.
O julgamento, que já levou milhares de representantes de povos indígenas a Brasília, foi interrompido por um pedido de vistas do ministro Alexandre de Moraes. A avaliação é de que isso serviu para baixar a fervura entre o Palácio do Planalto e o STF, que escalou quando a corte trouxe o assunto para análise.
No dia 28 de agosto do ano passado, o presidente fez a mesma ameaça. "Se aprovado, tenho duas opções, não vou dizer agora, mas já está decidida qual é essa opção, é aquela que interessa ao povo brasileiro, aquela que estará ao lado da nossa Constituição", declarou.
Bolsonaro, que prometeu não demarcar "um centímetro quadrado" de território em seu governo, sempre teve uma relação agressiva com os povos indígenas quando parlamentar.
"Ele devia ir comer um capim ali fora para manter as suas origens", foi a resposta do então deputado Jair Bolsonaro após um indígena jogar água em sua direção, em maio de 2008, num bate-boca em uma audiência pública para discutir a demarcação da terra indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima.
Quatro anos antes, durante outra reunião sobre o mesmo tema, Jair havia dito: "O índio, sem falar a nossa língua, fedorento, é o mínimo que posso falar, na maioria das vezes, vem para cá, sem qualquer noção de educação, fazer lobby".
Em uma semana, Bolsonaro esticou a corda com o STF duas vezes. Na primeira, deu um perdão para o deputado federal Daniel Silveira (PTB-RJ) após o tribunal tê-lo condenado a oito anos e nove meses de prisão por atacar a democracia e ameaçar ministros da corte. O presidente não se importa com Silveira, mas usou a condenação para montar uma farsa a fim de erodir a legitimidade do STF, uma das raras instituições que não se dobraram às suas necessidades.
Da mesma forma, Bolsonaro arma, agora, um circo, com a ajuda de seu círculo militar próximo, para atacar o ministro do STF Luís Roberto Barroso, que disse o óbvio: que o presidente tenta usar as Forças Armadas para atacar o sistema eleitoral brasileiro.
Com todas as críticas que lhe são cabidas, o Supremo tem sido um dos únicos entraves a Bolsonaro governar fora das regras do jogo democrático. Por conta disso, desde o início de seu governo, ele vem agindo para corroer a autoridade da corte e, por conseguinte, a própria Constituição.
A situação vai só piorar daqui até as eleições, com Bolsonaro tentando garantir que o STF seja visto como uma instituição suspeita de julgar seus atos como governante. O que também cria uma justificativa para o não reconhecimento das eleições, em caso de derrota.
Às vezes, democracias morrem em silêncio, sem um único tiro.