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Leonardo Sakamoto

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Witzel prometeu 'tiro na cabecinha', mas Castro é quem aperta o gatilho

Colunista do UOL

21/07/2022 18h59

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A atual sequência de chacinas com envolvimento de policiais no Estado do Rio de Janeiro revela que apesar de seu antecessor, Wilson Witzel, ter prometido, em novembro de 2018, "mirar na cabecinha... e fogo!", é o governador Cláudio Castro que tem apertado mais o gatilho.

Uma nova operação policial no Complexo do Alemão, zona norte do Rio, registrou, ao menos, 18 mortos, segundo a Polícia Militar, nesta quinta (21). Entre as vítimas reconhecidas, um agente de segurança e Letícia Salles - morta após seu carro ser atingido por policiais, de acordo com familiares.

Sem tirar a sua responsabilidade pela violência estatal cometida no período em que ficou no poder, Witzel produziu chacinas menos letais que as ocorridas sob Castro.

De acordo com levantamento do Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos da Universidade Federal Fluminense (UFF), Castro teve, em média, 4,5 mortos por chacina sob sua gestão, enquanto Witzel registrou 3,7 mortos. Confirmando em 18 o número de óbitos no Complexo do Alemão, o atual governador estará à frente do Estado em três das cinco maiores chacinas que envolveram policiais na história do Rio de Janeiro . A matança de hoje seria exatamente a quinta.

Em 6 de maio de 2021, cinco dias após ele tomar posse formalmente como governador, ocorreu a operação policial campeã de letalidade. No total, 27 moradores e um policial civil foram mortos em uma ação violenta que ficou conhecida como a Chacina do Jacarezinho.

O delegado Felipe Curi, do Departamento Geral de Polícia Especializada (DGPE), chegou a afirmar em coletiva à imprensa: "Não tem nenhum suspeito aqui. A gente tem criminoso, homicida e traficante" - atropelando a presunção de inocência.

Após a morte de um policial militar por criminosos, o Complexo do Salgueiro, em São Gonçalo (RJ), foi palco de uma operação que começou no dia 19 de novembro do ano passado e terminou na morte de nove pessoas. Os corpos foram retirados de um manguezal por moradores, que apontam que a ação foi motivada por vingança após a morte de um sargento.

A Polícia Civil chegou a divulgar uma lista de identificação dos mortos na chacina, em São Gonçalo, acompanhada da ficha criminal das vítimas que tinham passagem pela polícia. O que funcionou como uma tentativa de legitimar a letalidade da operação.

Em 11 de fevereiro deste ano, oito dias após o Supremo Tribunal Federal obrigar o governo do Rio de Janeiro a adotar medidas para reduzir a letalidade policial em comunidades pobres em até 90 dias, oito pessoas foram mortas em uma operação da Polícia Militar em conjunto com a Polícia Rodoviária Federal na Vila Cruzeiro.

Mandou, dessa forma, um recado ao STF: aqui, no Rio, você não apita nada.

Três meses depois, no dia 24 de maio, uma ação do Batalhão de Operações Especiais (Bope) da Polícia Militar em conjunto com a Polícia Rodoviária Federal (PRF) terminou com 24 mortos, novamente na Vila Cruzeiro - a segunda maior chacina com envolvimento de policiais da história do Rio.

Entre as vítimas, a moradora Gabrielle da Cunha, de 41 anos, atingida por um disparo durante a operação.

Neste 12 de julho, mais seis pessoas morreram durante ação policial em Manguinhos, na Zona Norte do Rio. Em nota sobre o caso, a Anistia Internacional afirmou que "a ação de segurança pública implementada e praticada pelo governo do estado do Rio de Janeiro tem norteado uma política de eliminação de determinada parcela da população negra, pobre e moradora de favelas e periferias".

Letalidade policial será usada para conquistar votos até outubro

A maioria dos ministros do Supremo confirmou uma liminar concedida por Edson Fachin, em agosto de 2020, proibindo a realização de operações policiais em favelas durante a pandemia sob pena de responsabilização criminal e civil. Ações só poderiam ser autorizadas em caráter "absolutamente excepcional", justificadas e comunicadas com antecedência o Ministério Público.

Na última ação da Vila Cruzeiro, o secretário da Polícia Militar no Rio, coronel Luiz Henrique Pires, culpou a corte pela situação na Vila Cruzeiro, dizendo que a decisão que dificultou operações nas favelas durante a pandemia para proteger moradores criou uma migração de criminosos para o Rio.

Não é novidade que, após chacinas cometidas pela polícia ou pela milícia no Rio de Janeiro, perfis bolsonaristas nas redes sociais celebram efusivamente as mortes. Essa falta de respeito à Justiça e o apoio ao justiciamento com as próprias mãos é o mesmo motor que alimenta o risco de insurreição de apoiadores do presidente contra instituições em caso de derrota em outubro.

Castro (PL), do mesmo partido do presidente da República, acaba atraindo o bolsonarismo para a sua reeleição com ações policiais que batem recordes de letalidade. Oferece a uma parte do eleitorado a falsa impressão de que está gerando paz com mortes.

A função de forças de segurança deveria ser investigar, prender e levar à Justiça as pessoas sobre as quais pesarem evidências de envolvimento com crimes. E ao ignorar suas funções, batem de frente com a Constituição de 1988 e qualquer um que seja responsável por sua efetivação.

Em meio a esse clima do "tá tudo dominado", muitos não hesitariam em atender a um chamado do "mito" se as urnas não entregarem o resultado que querem ouvir. E, quando vierem, muitos virão armados - seja porque a sua profissão garante porte de arma, seja porque Jair facilitou o porte e a compra de armas e munição.

A ideologia que substitui a política e a justiça pela violência como forma de resolver conflitos deixa uma montanha de corpos negros mortos em comunidades como o Complexo do Alemão, o Jacarezinho, a Vila Cruzeiro. Mas também tem o poder de entregar o cadáver da democracia.