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Leonardo Sakamoto

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Bom desempenho de Lula no JN faz ida de Bolsonaro a debate subir no telhado

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Imagem: Reprodução

Colunista do UOL

25/08/2022 22h04

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Após um início nervoso, em que chegou a usar uma "cola" em papel para falar de medidas contra a corrupção, o ex-presidente Lula (PT) teve um bom desempenho na entrevista ao Jornal Nacional nesta quinta (25). A consequência imediata é que a presença de seu principal adversário, Jair Bolsonaro (PL), no debate promovido pelo UOL, Folha, TV Cultura e TV Bandeirantes, se já era dúvida, subiu no telhado.

A campanha de Jair Bolsonaro está dividida entre ir ou não debater com Lula, Ciro Gomes (PDT), Simone Tebet (MDB), Luiz Felipe D'Avila (Novo) e Soraya Thronicke (União Brasil), no próximo domingo (28), e o desempenho do petista na entrevista ao JN era um dos fatores a serem considerados para a tomada de decisão pelo presidente. Sem Bolsonaro, a dúvida é se Lula também irá.

De acordo com levantamento do Instituto Quaest, a entrevista com Lula obteve melhor média de alcance de postagens, com 15 milhões, do que a de Bolsonaro, com 9 milhões, e a de Ciro, com 2 milhões. Os pontos positivos para o petista ocorreram quando ele falou da união com o ex-governador Geraldo Alckmin, de que política não é lugar de ódio e de corrupção - exatamente um dos assuntos que a campanha de Jair planeja explorar contra ele.

Lula riu, fez piadas com os entrevistadores e mostrou-se tão à vontade que recorreu às metáforas de futebol, que lhe são caras. Conseguiu girar muitas das respostas na direção que lhe interessava desejava, acrescentando outros temas - efeito tanto de um bom treinamento quanto de sua experiência política.

Por exemplo, ao ser questionado sobre o apoio a ditaduras de esquerda, respondeu que defende a autodeterminação dos povos, mas também a alternância de poder. E engatou uma crítica ao isolamento internacional gerado pelo governo Bolsonaro ao afirmar que, se ganhar as eleições, vamos ver "a enxurrada de amigos que estão desaparecidos vir visitar o Brasil, porque o Brasil vai ser amigo de todo mundo".

E deu um jeito de inserir várias vezes que Geraldo Alckmin é seu candidato a vice, mesmo nas questões em que isso não era perguntado, chegando ao ponto de brincar que está com "ciúmes" da atenção dada ao antigo adversário. O ex-tucano hoje no PSB tem sido usado pela campanha para tentar amaciar a figura de Lula entre grupos como o empresariado e o agronegócio.

Na entrevista, Lula fez, pelo menos em parte, a tão cobrada "autocrítica": reconheceu a existência de corrupção na Petrobras, mas disse que o erro da Lava Jato foi agir de forma política. E afirmou que a ex-presidente Dilma Rousseff cometeu sim equívocos, na questão do preço da gasolina e na desoneração de impostos de empresas. E fez questão de diferenciar-se do mandato de sua sucessora. Questionado sobre a alta da inflação no mandato dela, ele disse que, sob a sua gestão, a inflação caiu.

Um dos diferenciais da imagem de Lula apontados por pesquisas quantitativas e qualitativas é de que ele "cuida" de gente. Ele reforçou exatamente esse termo em seu minuto de considerações finais. E, nesse sentido, disse que, se eleito, os brasileiros voltarão a fazer churrasco em casa. Também criticou Bolsonaro por aumentar o Auxílio Brasil para R$ 600 de forma temporária, apenas até 31 de dezembro.

Essas informações são, talvez, as mais importantes passadas aos eleitores das classes D e E durante toda a entrevista. Vale lembrar que o atual presidente foi ao Jornal Nacional, na última segunda (22), com a missão de roubar votos do petista exatamente nesse grupo, onde ele apresenta larga vantagem. Mas acabou não falando de temas ligados à melhoria da qualidade de vida dos mais pobres.

Lula também conseguiu passar a imagem de moderado. Quando falou de corrupção, evitou bater de frente com o ex-juiz e hoje candidato ao Senado Sergio Moro, que o mandou para a cadeia, e com parte da imprensa, que subscreveu os atos da Lava Jato de forma acrítica.

A moderação esteve presente em uma comparação que foi muito comentada nas redes sociais, quando ele criticou China e Cuba ao explicar que, em sua opinião, a polarização é saudável em uma sociedade. Ambos países ostentam, em tese, regimes comunistas.

"Polarização tem nos Estados Unidos, na Alemanha, na França, na Noruega, na Finlândia. Não tem polarização num partido comunista chinês, não tinha polarização no partido comunista cubano. Agora, quando você tem democracia, quando você tem mais que um disputando, a polarização é saudável. O que é importante é que a gente não confunda a polarização com o estímulo ao ódio", afirmou.

O petista deu, ao longo da entrevista, várias estocadas em Bolsonaro. A mais dura foi tê-lo chamado de "bobo da corte", ao defender que o presidente não manda no país, tendo sido sequestrado pelo centrão no Congresso Nacional.

Em outro momento, ele afirmou que não quer "procurador leal a mim, mas ao povo e às instituições", referindo-se claramente à proteção garantida pelo procurador-geral da República, Augusto Aras, ao presidente Bolsonaro. E deu ainda outra cutucada em Jair ao criticar o sigilo imposto por ele por 100 anos em documentos para proteger a si próprio e filhos.

A entrevista com Lula não foi complacente, como brada o bolsonarismo, nem agressiva demais, como está defendendo uma parte do lulismo. Mas a qualidade do embate entre candidato e entrevistadores foi muito melhor do que aquela apresentada na última segunda, com o atual presidente.

Com isso, o petista sai ganhando porque conseguiu falar do que gostaria para um eleitorado mais amplo que o seu. Pelas pautas, atingiu em cheio a classe média. E provavelmente colheu votos, ao contrário de seu adversário, que ficou aliviado de não ter sido espancado na TV.