Leonardo Sakamoto

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Opinião

No RS, estupros no caos; no DF, deputados tentam proibir aborto pós-estupro

Enquanto a polícia prende suspeitos de terem estuprado mulheres que se refugiavam em abrigos após a tragédia no Rio Grande do Sul, parlamentares em Brasília continuam buscando aprovar a proibição do aborto legal, ou seja, aquele permitido em casos de estupro, risco de morte para a mãe e anencefalia.

Propostas tentam garantir "personalidade civil" desde a concepção e, com base nisso, buscar a proibição da interrupção da gravidez. O jornal O Estado de S.Paulo apontou, neste domingo (12), que o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), prometeu à bancada evangélica consultar o colégio de líderes sobre um pedido de urgência para colocar o "Estatuto do Nascituro" em votação.

Se aprovado, o projeto vai reduzir os direitos de gestantes aos de vasos de plantas. E interrupções legais, como a da menina de 10 anos, de São Mateus (ES), estuprada desde os seis anos pelo próprio tio, não teria sido realizada. Em 2020, grupos religiosos, com apoio do governo Jair Bolsonaro, tentaram impedir o procedimento. Chegaram a ameaçar o médico e a família.

Mas, de acordo com pesquisa Datafolha, de março deste ano, 42% da população é a favor de que o direito ao aborto permaneça como é hoje, 15% defende que seja permitido em mais situações e 6% que seja autorizado em qualquer situação. Ou seja, 63% querem que os direitos sejam mantidos ou ampliados. Por outro lado, apenas 35% defendem que o aborto seja totalmente proibido, incluindo casos de estupro, risco de morte e anencefalia.

A urgência ocorre em um momento em que o Supremo Tribunal Federal analisa uma ação que pode descriminalizar o aborto em qualquer situação até a 12ª semana de gestação. Nesse sentido, a pressão no Congresso pode ser vista tanto como uma forma de emparedar a decisão do Supremo quanto como uma oportunidade para avançar na pauta ultraconservadora.

Ao votar a favor, em setembro de 2023, a então ministra Rosa Weber afirmou que o STF não estava usurpando competência do Congresso. Para ela, a democracia deve expressar a vontade da maioria, desde que garantida a dignidade das minorias. O que não estaria acontecendo, pois ao criminalizar o aborto, o Código Penal desrespeita princípios da Constituição.

O Brasil segue atrás do mundo, e não apenas em países ditos desenvolvidos. Em dezembro de 2020, o Congresso da Argentina aprovou o direito das mulheres de optarem por um aborto até a 14ª semana de gestação, independentemente do motivo. Na Colômbia, o caminho foi a Corte Constitucional, que decidiu, em fevereiro de 2022, que ninguém irá para a cadeia se realizar um aborto até a 24ª semana de gestação.

Enquanto a questão é discutida nesses termos de retrocesso por aqui, a maioria das mulheres, que depende de serviços públicos, acaba sofrendo o preconceito de profissionais de saúde que se negam a realizar o procedimento alegando consciência e os riscos de medidas tomadas por conta própria, no desespero. Já o aborto segue "livre" para quem conta com recursos financeiros para ter acesso a clínicas seguras, ou seja, a classe alta e a média alta.

Parte delas exalando a hipocrisia de ser contra o aborto dos outros. Inclusive o de vítimas de enchentes, que achavam que já tinham perdido tudo até serem violentadas em abrigos no Rio Grande do Sul.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL