Topo

Leonardo Sakamoto

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Ato falho do 'roubamos menos' torna Guedes o maior cabo eleitoral de Lula

Colunista do UOL

28/10/2022 13h57

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido

Se ganhar a eleição presidencial no domingo, Lula deveria fazer um agradecimento especial ao ministro da Economia, Paulo Guedes, que vem jogando contra a campanha bolsonarista. Desta vez, ele disse que o governo Bolsonaro "rouba menos" que o dos petistas. A gafe já está sendo explorada pela oposição, que aponta que o próprio czar da economia assume que o governo é composto de ladrões.

O lapso ocorreu durante uma entrevista ao G1 sobre a promessa de isentar parte da classe média do imposto de renda. "Eu, se fosse o Bolsonaro, diria: tudo o que o Lula fizer, eu faço mais. Por quê? Porque nós roubamos menos", afirmou. Logo em seguida, percebendo o sincericídio, corrigiu-se: "Nós não roubamos". Tarde demais.

A gafe é especialmente dolorida porque Bolsonaro vem martelando durante a campanha que Lula é um bandido. A três dias das eleições, Guedes deu à campanha do adversário uma possibilidade de ouro.

Isso depois que um estudo do Ministério da Economia, revelado pela Folha de S.Paulo, mostrou que o governo estuda mudar a fórmula de reajuste anual do salário mínimo, o que pode prejudicar 72 milhões de pessoas que recebem salários, aposentadorias, seguro-desemprego e benefícios sociais, de acordo com cálculo de Eduardo Fagnani, professor de economia da Unicamp.

Após essa informação ser explorada pelos petistas, a intenção de voto de Lula foi de 57% para 61% e a de Bolsonaro passou de 37% para 33% entre quem recebe até dois salários mínimos, segundo o Datafolha divulgado nesta quinta.

O ato falho é algo fascinante. Quando uma pessoa está mentindo por muito tempo, mais cedo ou mais tarde, é traída pelo inconsciente. Até porque manter as aparências publicamente exige muita energia e a verdade é algo que esmaga por dentro, forçando confissões.

Como me explicou uma vez o grande Christian Dunker, professor titular do Departamento de Psicologia Clínica do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo e colunista do UOL, "a verdade, expulsa pela porta da frente, hoje, reaparecerá pela janela dos fundos, amanhã".

Esse tipo de gafe é mais proeminente em situações nas quais a pessoa parece ter conhecimento dos assuntos tratados, como é Guedes quanto à questão das contas públicas.

"Atos falhos, ou parapraxias, envolvem duas condições: a emergência de uma palavra ou expressão no discurso, seguida de uma correção ou negação do ocorrido. Para a psicanálise, isso acontece porque há uma cadeia de pensamentos, inconsciente, que se encontra suprimida e emerge revelando um fragmento da verdade queremos suprimir a nós mesmos", disse Dunker.

Supressão que, mais cedo ou mais tarde, se rompe e aflora e pode dizer muito sobre autoridades. Mas o que fazemos com as verdades confessadas pelas autoridades diz muito sobre a psique de um povo.