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Leonardo Sakamoto

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Bolsonaro pede para ser reeleito 'deputado'; ato falho revela insegurança

O presidente Jair Bolsonaro (PL) durante debate na TV Globo - MAURO PIMENTEL/AFP
O presidente Jair Bolsonaro (PL) durante debate na TV Globo Imagem: MAURO PIMENTEL/AFP

Colunista do UOL

29/10/2022 09h13

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Jair Bolsonaro cometeu um ato falho em suas considerações finais no debate da TV Globo, na noite desta sexta (28), ao afirmar que estava em busca de um novo mandato como deputado federal, cargo que ocupou por sete vezes. A gafe é reveladora não apenas sobre a forma como ele se enxerga, mas como ele acredita que muitos o veem. E não está errado.

"Muito obrigado, meu Deus. E se essa for a sua vontade, estarei pronto para cumprir mais um mandato de deputado federal... Presidente da Republica!", afirmou. A declaração ocorre acontece após Lula martelar sistematicamente ao longo do debate que Bolsonaro não se comporta à altura do cargo que ocupa.

O presidente realmente tem sido criticado por agir como um deputado federal do baixo clero, dialogando com o nicho dos eleitores que divide com ele uma visão de mundo e priorizando seu governo para eles - e não para todos os brasileiros, que é o que se espera do chefe do Poder Executivo. Mas a gafe é útil para entendermos mais a respeito do próprio Bolsonaro.

Em vários momentos ao longo do seu mandato, ele sentiu que precisava reafirmar à sociedade e à sua equipe que é o presidente, ignorando que as urnas eletrônicas já haviam dado a ele essa legitimidade. O resultado, claro, são cenas constrangedoras. Por exemplo, no dia 26 de junho de 2020, em frente ao Palácio do Alvorada, ele bradou: "O presidente sou eu, pô. O presidente sou eu. Os ministros seguem as minhas determinações".

Ressentido pelo fato da imprensa elogiar o trabalho do então ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, e não o dele, Jair afirmou: "se o time está ganhando, vamos fazer Justiça, vamos elogiar o seu técnico - e o seu técnico chama-se Jair Bolsonaro".

Ele acabaria por demitir Mandetta por discordar da abordagem racional do ministro contra a covid-19, mas também por insegurança e ciúmes. Bolsonaro não tolera qualquer possibilidade de alguém brilhar mais do que ele, pois acredita que isso coloca em risco a sua própria posição. Não à toa podou sistematicamente seu vice, general Hamilton Mourão, até expulsá-lo da chapa à reeleição.

Nos atritos entre ele e o então ministro da Justiça e hoje senador eleito, Sergio Moro, por conta da interferência no comando da Polícia Federal, ele afirmou, no dia 18 de agosto de 2019: "quem manda sou eu, vou deixar bem claro". A declaração demonstra uma insegurança inusitada para um presidente da República. "Eu tenho poder de veto, ou vou ser um presidente-banana agora?", questionou. Ninguém o havia acusado de ser um presidente-banana, mas ele trouxe a figura à tona, mostrando que esse é um dos seus pesadelos.

Bolsonaro acredita que precisa justificar o tempo todo o lugar que ocupa, talvez porque não se veja como alguém qualificado o bastante para a posição. Ele acha que foi indicado por Deus, não tenho dúvidas, mas isso é outra história que não tem a ver com competência técnica ou política. Ele sempre receou que, mais cedo ou mais tarde, alguém iria trata-lo como um impostor.

E para lembrar a todos que ele tem poder, Bolsonaro brigou, gritou, xingou, criou inimigos. Ao invés de passar imagem de força, isso acabou transmitindo a de alguém acuado e inseguro.

Coincidentemente tratei ontem aqui na coluna do ato falho do ministro da Economia, Paulo Guedes, que afirmou que o governo Bolsonaro "rouba menos" que as gestões do PT. Para tanto, resgatei uma explicação que me foi dada por Christian Dunker, professor titular do Departamento de Psicologia Clínica do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo e colunista do UOL.

Ele diz que atos falhos envolvem a emergência de uma palavra ou expressão no discurso, seguida de uma correção ou negação do ocorrido - que foi exatamente o que aconteceu com Bolsonaro no debate. Isso ocorre porque há uma cadeia de pensamentos, inconsciente, que se encontra suprimida e emerge revelando um fragmento da verdade queremos suprimir a nós mesmos.

O ruim para Jair é que a revelação tenha ocorrido quando o debate marcava 27 pontos de audiência, mais do que uma final de novela.