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Leonardo Sakamoto

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Doze vezes em que Guedes deveria ter seguido a própria dica e ficado quieto

Ministro da Economia, Paulo Guedes, durante evento no Palácio do Planalto, em Brasília - Ueslei Marcelino/Reuters
Ministro da Economia, Paulo Guedes, durante evento no Palácio do Planalto, em Brasília Imagem: Ueslei Marcelino/Reuters

Colunista do UOL

19/11/2022 02h32

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Não deixa de ser irônico que Paulo Guedes tenha soltado um "cala a boca, vai trabalhar" para Lula e o PT. Sem entrar no mérito se os petistas falam muito ou não, mas a crítica vem exatamente do ministro que, por falar pelos cotovelos, acabou dando bom dia para cavalo.

Desta vez, ele reclamava que o tema da fome no Brasil continua sendo citado na transição de governo. "É válido para ganhar a eleição, mas para com essa conversa. Já ganhou, cala a boca, vai trabalhar", afirmou, nesta sexta (18), em evento no Ministério da Economia.

Agora que o governo está caminhando para o fim, vale uma breve retrospectiva de declarações desnecessárias de Paulo Guedes, ocasiões em que ele poderia ter se calado e ido trabalhar.

1) Pobres não poupam - Em 3 de novembro de 2019, em entrevista à Folha de S.Paulo, o ministro criticou pobres por não pouparem. Ao defender mudanças radicais na Previdência Social, afirmou: "Um menino, desde cedo, sabe que ele é um ser de responsabilidade quando tem de poupar. Os ricos capitalizam seus recursos, os pobres consomem tudo".

Na realidade paralela do doutor, isso deve acontecer porque os pobres são gastões irresponsáveis. Nesta, contudo, eles mal ganham para sobreviver, que dirá juntar algum cascalho.

2) Esposa do Macron - Em 5 de setembro de 2019, ele xingou gratuitamente a esposa do presidente da França. "O Macron falou que estão colocando fogo na Amazônia. O presidente devolveu, falou que a mulher do Macron é feia. O presidente falou a verdade, ela é feia mesmo. Mas não existe mulher feia, existe mulher observada do ângulo errado ", disse em um evento.

O que Brigitte Macron tem a ver com a Nova Economia do Brasil não sabemos, mas o machismo e a grosseria serviram para animar os seguidores fiéis do presidente. Não à toa, Macron foi efusivo ao saudar a vitória de Lula.

3) Novo AI-5 - Em 25 de novembro de 2019, ele insinuou, em uma coletiva de imprensa, um novo AI-5 em caso de protestos de rua da esquerda. "Não se assustem, então, se alguém pedir o AI-5." O ministro da Economia, de tempos em tempos, nos lembra o quanto é fã do modelo chileno, com uma economia neoliberal erguida sobre as fundações do governo autoritário, assassino, estuprador e torturador do general Augusto Pinochet.

4) Parasitas - Em 7 de fevereiro de 2020, ele chamou os funcionários públicos de "parasitas" do orçamento nacional, em um evento no Rio de Janeiro. "O hospedeiro [governo] está morrendo, o cara virou um parasita", afirmou, criticando a política de aumentos salariais de servidores. Generalizou o trabalho de servidores públicos, que cuidam da nossa saúde, de nossa educação, de nossa segurança.

Diante da repercussão extremamente negativa, disse que sua fala foi descontextualizada (desculpa padrão...) e que reconhecia a qualidade do serviço desses trabalhadores, citando até a família e amigos.

5) Domésticas na Disney - Em 12 de fevereiro de 2020, durante um evento, ele reclamou que trabalhadoras empregadas domésticas estavam indo à Disney, nos Estados Unidos. "O câmbio não está nervoso, [o câmbio] mudou. Não tem negócio de câmbio a R$ 1,80. Todo mundo indo para a Disneylândia, empregada doméstica indo para Disneylândia, uma festa danada."

Sugeriu que viagens à Disney fossem trocadas por passeios em Cachoeiro do Itapemirim, no Espírito Santo.

6) Pandemia barata - Em 13 de março de 2020, numa declaração à revista Veja, desdenhou a pandemia, dizendo que bastariam R$ 5 bilhões para acabar com o coronavírus. "Com 3 bilhões, 4 bilhões ou 5 bilhões de reais a gente aniquila o coronavírus. Porque já existe bastante verba na Saúde, o que precisaríamos seria de um extra."

De acordo com o site de transparência do Tesouro Nacional, o governo federal gastou R$ 524 bilhões para tanto, somente em 2020.

7) Longevidade cara - Em 27 de abril de 2021, Guedes reclamou, em reunião do Conselho de Saúde Suplementar, que o aumento da expectativa de vida dos brasileiros dificultava que o governo fechasse as contas. "Todo mundo quer viver 100 anos, 120, 130. Não há capacidade de investimento para que o Estado consiga acompanhar."

Podemos viver menos também se for atrapalhar.

8) China inventou vírus - No mesmo encontro, afirmou que o "chinês inventou o vírus" da covid-19, sem apresentar provas, ecoando as teorias conspiratórias da extrema direita, de que o coronavírus nasceu num laboratório do gigante asiático. Também reclamou que as vacinas desse país são piores que as dos Estados Unidos.

Vale lembrar que, semanas antes, o Brasil estava implorando para a China liberar mais insumos para fabricarmos imunizantes. Depois, ele tentou se justificar, dizendo que até tomou a CoronaVac - versão adaptada do "até tenho amigos".

9) Filho do porteiro - Em 29 de abril de 2021, em uma entrevista ao jornal O Estado de S.Paulo, reclamou que o governo ampliou demais o acesso ao Fundo de Financiamento Estudantil (Fies), bancando universitário que "não sabia ler nem escrever". Cita como suposto exemplo o filho do porteiro de seu prédio, mesmo que os critérios de seleção demandem nota mínima.

O problema maior, claro, não é esse, mas a forma com a qual usou o filho do porteiro como exemplo.

10) Energia cara - Em 25 de agosto de 2021, ele perguntou "qual o problema agora que a energia vai ficar um pouco mais cara porque choveu menos?", ignorando que muitos têm que escolher entre comer ou ficar no escuro.

Detalhe: o governo culpou a falta de chuva, mas o caos foi consequência das falhas na gestão dos reservatórios de usinas do sistema elétrico nacional por parte do governo.

11) Vendendo praia - Em 28 de setembro deste ano, ele defendeu vender praias brasileiras para ricos estrangeiros. "É mal gerido o troço", disse em entrevista. Acredita que está sendo pragmático ao defender vender praias, um patrimônio de todos os brasileiros, para ricos estrangeiros por R$ 1 bilhão cada.

12) Roubamos menos - No mês passado, a poucos dias do segundo turno, durante uma entrevista ao G1, ele cometeu uma gafe. "Eu, se fosse o Bolsonaro, diria: tudo o que o Lula fizer, eu faço mais. Por quê? Porque nós roubamos menos", afirmou. Logo em seguida, percebendo o sincericídio, corrigiu-se: "Nós não roubamos". Tarde demais.

E isso ocorreu logo depois que um estudo do Ministério da Economia, revelado pela Folha de S.Paulo, mostrou que o governo estudava mudar a fórmula de reajuste anual do salário mínimo, o que poderia prejudicar 72 milhões de pessoas.

Tem mais declarações? Ô se tem. Mas isso é o bastante para lembrar que o ministro falou quando deveria ter se calado. E se calou quando poderia ter batido os pés e dito a Bolsonaro que furar em R$ 795 bilhões o teto de gastos (ao longo de quatro anos) causaria problemas para nossa economia por muito tempo. Mas, para agradar o presidente e, consequentemente manter seu emprego, consentiu.

Até porque, nas suas próprias palavras: "é válido para ganhar a eleição".