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Leonardo Sakamoto

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Mutreta dos boletos é banho frio no futuro político de Michelle Bolsonaro

ALOISIO MAURICIO/ESTADÃO CONTEÚDO
Imagem: ALOISIO MAURICIO/ESTADÃO CONTEÚDO

Colunista do UOL

14/05/2023 16h32

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Indícios de que dinheiro de uma empresa com contratos com o governo federal pagou as contas pessoais de Michelle Bolsonaro são um banho de água fria nas pretensões políticas da ex-primeira-dama. Ironicamente, quem deve estar aliviado com isso é Jair, que nunca viu com bons olhos o protagonismo da esposa.

A Cedro do Líbano, empresa com contratos com a Codevasf na gestão Bolsonaro, foi a origem de recursos transferidos a um assessor que trabalhava como ajudante de ordens da Presidência da República. Ele sacou a grana e pagou despesas de um cartão de crédito usado por Michelle, mas que pertence à sua amiga, a assessora parlamentar Rosimary Cardoso. Olha o nível do rolo? Também fez depósitos na conta da tia da ex-primeira-dama, que lhe prestava serviços de babá.

A informação, apurada pela Polícia Federal, foi revelada em reportagem de Aguirre Talento, Amanda Rossi e Pedro Canário, do UOL.

Neste sábado (13), outra reportagem de Talento apontou que diálogos descobertos no celular do ex-faz-tudo de Jair, o tenente-coronel Mauro Cid, mostravam que ele tentou avisar à Michelle que esse tipo de movimentação ia desaguar em denúncia de rachadinha. Da cadeia, onde ele está por conta de investigação de fraude em registros de vacina, ele deve estar pensando que dizer hoje aos Bolsonaro um "eu te disse" não será suficiente.

Com a iminente inelegibilidade de Jair, que deve ser condenado pelo TSE a ficar fora das disputas de 2026 e 2030 por abuso de poder político, o nome de Michelle passou a ser aventado como uma alternativa por aliados. No final de janeiro, o presidente do PL, Valdemar da Costa Neto, chegou a dar entrevista "lançando-a" como possível candidata à Presidência.

Pipocaram relatos na imprensa de que a atenção dada à esposa deixou Jair incomodado. Afinal, uma coisa é ela lhe ser útil como cabo eleitoral junto ao público evangélico durante a eleição. A outra é alçar voos políticos, tornando desnecessária a sua anuência.

A possibilidade do atual escândalo ficar conhecido como a "rachadinha da Michele" pode rachar a imagem que a primeira-dama tem junto aos evangélicos.

Ela estava quase convencendo uma boa parcela da opinião pública de que não tinha nada a ver com o escândalo das joias árabes surrupiadas do patrimônio da União pelo marido - esquecimento que era fundamental para suas pretensões políticas.

Mas o depoimento de uma servidora pública do departamento responsável pela triagem de presentes oficiais apontou que a então primeira-dama recebeu, em 29 de novembro, no Palácio do Alvorada, o segundo kit de joias enviadas pela ditadura saudita. A apuração é do jornal O Estado de S.Paulo, responsável por trazer todo o escândalo a público. Em visita ao Congresso Nacional, ela confirmou o pacote.

O caso das joias incomodou aliados evangélicos, que evitaram defender a família Bolsonaro em público. Afinal, a primeira-dama deve conhecer bem o capítulo 32 do livro de Êxodo, a parte da Bíblia em que os judeus construíram um bezerro de ouro para ser adorado após Moisés demorar em descer do Monte Sinai, onde estava recebendo os Dez Mandamentos. Ela sabe o que aconteceu com quem se ajoelhou diante do bezerro.

Por isso, sua defesa diz que o saque na boca do caixa e o pagamento de contas em dinheiro vivo é algo totalmente legal.

Mas uma empresa que presta serviços para o governo Bolsonaro transfere grana para uma pessoa, que transfere para um assessor da Presidência, que paga o cartão de crédito usado pela primeira-dama, que, por sua vez, é emprestado por uma amiga porque Michelle quer esconder seus gastos, coloca em xeque a fé de qualquer seguidor de Jair Messias e família.

Pode-se dizer que os últimos quatro anos alçaram Michelle a outro patamar. Antes, ela era envolvida em escândalos mambembes de desvio de dinheiro público, como os R$ 89 mil em cheques depositados em sua conta pelo faz-tudo Fabrício Queiroz. Agora, vai se revelando protagonista de um escândalo de Estado, envolvendo estatais e militares.

Michelle terá mais alguns anos até 2026, quando haverá eleição ao Senado e à Presidência, para que esqueçam que bezerros de ouro podem aparecer na forma de cheques, joias árabes ou cartões de crédito de amigas.

Por enquanto, temos uma ex-primeira-dama que terá que se explicar se grana pública ilegalmente bancava os seus luxos enquanto ela se mostrava como alguém que seguia à risca as leis da Terra e dos céus.

Se por um lado, isso é mais um BO pesando na conta de Jair, por outro deve ser uma lufada de tranquilidade para o machismo do capitão, uma vez que a decolagem política da esposa ficou mais difícil.