Leonardo Sakamoto

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Reportagem

Sindicato avisou Enel que haveria apagão em SP com ciclones, diz dirigente

"A gente previu o que aconteceu. Avisamos a Enel que se houvesse um ciclone extratropical, São Paulo poderia ficar uma semana sem luz. O problema é crônico e não vai se resolver agora. Pode até piorar, se mudanças não forem feitas no modelo do setor elétrico."

A avaliação foi feita à coluna pelo presidente do Sindicato dos Eletricitários de São Paulo, Eduardo Annunciato, o Chicão. Após um temporal atingir o estado, na sexta (3), mais de dois milhões ficaram sem luz por 24 horas. Na manhã desta segunda, mais de 410 mil continuavam sem energia, o que vem levando a uma série de críticas à distribuidora e aos governos.

De acordo com o dirigente, para garantir que São Paulo não passe novamente pelo caos enfrentado desde sexta, é necessário avançar em três dimensões do problema: investimentos, recursos técnicos e política/regulação. E até repensar a natureza pública ou privada de empresas que prestam serviços essenciais, como luz e água.

Annunciato diz que o modelo atual do setor de distribuição de energia elétrica garante melhor remuneração à empresa por investimentos que ela fizer em novos ativos em contraposição aos investimentos em manutenção preventiva. Assim, ao invés de gastar com material de manutenção e podas de árvores em locais que costumam ter falhas, empresas preferem instalar religadores automáticos.

O equipamento fraciona e isola defeitos impedindo que ele afete o resto da rede e permitindo que uma equipe vá consertar. Assim, a empresa não gasta em fazer manutenção preventiva em toda a malha, mas apenas a corretiva nos pontos atingidos.

De acordo com o dirigente, isso pode funcionar em dias normais. Quando acontece um evento climático de grandes proporções, como o de sexta, defeitos ocorrem em muitos pontos da rede simultaneamente devido à falta de manutenção. E a estratégia com os religadores não dá conta.

A empresa diz que investiu mais de R$ 5 bilhões. A questão é o tipo de investimento.

Ao mesmo tempo, em sua avaliação, a Enel "abusou da redução de quadro de funcionários". Pondera que ela fez programas de demissão voluntária e incentivou aposentadorias, ou seja, no geral, a ação não foi danosa aos trabalhadores. Mas teve consequências para os consumidores.

"A empresa perdeu memória técnica. O número de funcionários com experiência não foi resposto. Investiram na mão de obra terceirizada, que tem uma rotatividade tremenda e corpo menos qualificado para avaliar e atender os problemas", diz. "Não é só a Enel, outras empresas privatizadas estão com o mesmo problema."

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O presidente do sindicato aponta que, em 2019, o número de empregados próprios da Enel estava em 7,7 mil, caindo para 3,9 mil agora. E lembra que a antiga proprietária da Eletropaulo, a AES, havia aumentado o número de funcionários diretos após um apagão de bairros em São Paulo causado por uma tempestade em 2014 (6.450, em 2014, 7.450, em 2015, 8.050, em 2016). Até que a Enel assumiu o controle em 2018.

Mudanças climáticas vão piorar a situação

Ele conta que o fundão da Zona Sul e da Zona Leste da capital e municípios como Diadema, São Bernardo do Campo e Juquitiba costumam ficar no escuro mesmo sem eventos como o de sexta. Mas como a empresa atende, na média, as metas estabelecidas, fica tudo ok.

"Se a Aneel fiscalizasse individualmente por cliente a ausência de energia e multasse as empresas imediatamente ao invés de olhar para o conjunto, ela teria que realizar essas manutenções preventivas", diz o dirigente. Mas, segundo ele, tampouco há fiscais em número suficiente.

"O modelo foi mal arrumado e depois que privatizou a situação só vem definhando. E com as mudanças climáticas, a tendência é piorar ainda mais. Para resolver, vai ter que apertar as empresas", avalia. Ele pondera, contudo, que para algumas pode deixar de ser economicamente vantajoso assumir o serviço se tiverem que cumprir mais requisitos.

Nesse caso, acredita que entraremos na discussão sobre o futuro dessa privatização. Por que se nenhuma empresa topar realizar as manutenções preventivas que precisam ser feitas, com um corpo de pessoal técnico capaz de avaliar e responder de forma imediata quando houver um problema e com as trocas de equipamentos velhos que forem necessárias, a questão da reestatização pode ser posta na mesa.

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Ainda mais porque, em breve, esgota-se a concessão de 30 anos da Eletropaulo. E as concessionárias vão reduzir os investimentos até saberem se conseguirão renovar, e sob quais condições. "Estamos num momento delicado e crucial", diz o dirigente. "Pois não adianta tirar a Enel se o modelo for o mesmo."

Enquanto o caos envolvendo a empresa distribuidora segue, o governo de São Paulo corre para tentar privatizar a empresa paulista de saneamento básico, a Sabesp. Annunciato questiona: "Sem luz, eu até vivo, mas sem água?"

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Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.