Sindicato avisou Enel que haveria apagão em SP com ciclones, diz dirigente
"A gente previu o que aconteceu. Avisamos a Enel que se houvesse um ciclone extratropical, São Paulo poderia ficar uma semana sem luz. O problema é crônico e não vai se resolver agora. Pode até piorar, se mudanças não forem feitas no modelo do setor elétrico."
A avaliação foi feita à coluna pelo presidente do Sindicato dos Eletricitários de São Paulo, Eduardo Annunciato, o Chicão. Após um temporal atingir o estado, na sexta (3), mais de dois milhões ficaram sem luz por 24 horas. Na manhã desta segunda, mais de 410 mil continuavam sem energia, o que vem levando a uma série de críticas à distribuidora e aos governos.
De acordo com o dirigente, para garantir que São Paulo não passe novamente pelo caos enfrentado desde sexta, é necessário avançar em três dimensões do problema: investimentos, recursos técnicos e política/regulação. E até repensar a natureza pública ou privada de empresas que prestam serviços essenciais, como luz e água.
Annunciato diz que o modelo atual do setor de distribuição de energia elétrica garante melhor remuneração à empresa por investimentos que ela fizer em novos ativos em contraposição aos investimentos em manutenção preventiva. Assim, ao invés de gastar com material de manutenção e podas de árvores em locais que costumam ter falhas, empresas preferem instalar religadores automáticos.
O equipamento fraciona e isola defeitos impedindo que ele afete o resto da rede e permitindo que uma equipe vá consertar. Assim, a empresa não gasta em fazer manutenção preventiva em toda a malha, mas apenas a corretiva nos pontos atingidos.
De acordo com o dirigente, isso pode funcionar em dias normais. Quando acontece um evento climático de grandes proporções, como o de sexta, defeitos ocorrem em muitos pontos da rede simultaneamente devido à falta de manutenção. E a estratégia com os religadores não dá conta.
A empresa diz que investiu mais de R$ 5 bilhões. A questão é o tipo de investimento.
Ao mesmo tempo, em sua avaliação, a Enel "abusou da redução de quadro de funcionários". Pondera que ela fez programas de demissão voluntária e incentivou aposentadorias, ou seja, no geral, a ação não foi danosa aos trabalhadores. Mas teve consequências para os consumidores.
"A empresa perdeu memória técnica. O número de funcionários com experiência não foi resposto. Investiram na mão de obra terceirizada, que tem uma rotatividade tremenda e corpo menos qualificado para avaliar e atender os problemas", diz. "Não é só a Enel, outras empresas privatizadas estão com o mesmo problema."
O presidente do sindicato aponta que, em 2019, o número de empregados próprios da Enel estava em 7,7 mil, caindo para 3,9 mil agora. E lembra que a antiga proprietária da Eletropaulo, a AES, havia aumentado o número de funcionários diretos após um apagão de bairros em São Paulo causado por uma tempestade em 2014 (6.450, em 2014, 7.450, em 2015, 8.050, em 2016). Até que a Enel assumiu o controle em 2018.
Mudanças climáticas vão piorar a situação
Ele conta que o fundão da Zona Sul e da Zona Leste da capital e municípios como Diadema, São Bernardo do Campo e Juquitiba costumam ficar no escuro mesmo sem eventos como o de sexta. Mas como a empresa atende, na média, as metas estabelecidas, fica tudo ok.
"Se a Aneel fiscalizasse individualmente por cliente a ausência de energia e multasse as empresas imediatamente ao invés de olhar para o conjunto, ela teria que realizar essas manutenções preventivas", diz o dirigente. Mas, segundo ele, tampouco há fiscais em número suficiente.
"O modelo foi mal arrumado e depois que privatizou a situação só vem definhando. E com as mudanças climáticas, a tendência é piorar ainda mais. Para resolver, vai ter que apertar as empresas", avalia. Ele pondera, contudo, que para algumas pode deixar de ser economicamente vantajoso assumir o serviço se tiverem que cumprir mais requisitos.
Nesse caso, acredita que entraremos na discussão sobre o futuro dessa privatização. Por que se nenhuma empresa topar realizar as manutenções preventivas que precisam ser feitas, com um corpo de pessoal técnico capaz de avaliar e responder de forma imediata quando houver um problema e com as trocas de equipamentos velhos que forem necessárias, a questão da reestatização pode ser posta na mesa.
Newsletter
OLHAR APURADO
Uma curadoria diária com as opiniões dos colunistas do UOL sobre os principais assuntos do noticiário.
Quero receberAinda mais porque, em breve, esgota-se a concessão de 30 anos da Eletropaulo. E as concessionárias vão reduzir os investimentos até saberem se conseguirão renovar, e sob quais condições. "Estamos num momento delicado e crucial", diz o dirigente. "Pois não adianta tirar a Enel se o modelo for o mesmo."
Enquanto o caos envolvendo a empresa distribuidora segue, o governo de São Paulo corre para tentar privatizar a empresa paulista de saneamento básico, a Sabesp. Annunciato questiona: "Sem luz, eu até vivo, mas sem água?"