Leonardo Sakamoto

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Opinião

Câmara aprova projeto em que trabalhador e Estado pagam a conta do patrão

Sob a justificativa de facilitar a contratação de pessoas de 18 a 29 anos para o seu primeiro emprego, a Câmara dos Deputados aprovou, nesta terça (21), um projeto que reduz proteções garantidas aos trabalhadores. Com isso, retoma a poda ou suspensão da CLT em troca de empregos, o que tem se mostrado uma promessa vazia.

O pacote inclui medidas que haviam sido apresentadas pelo então ministro da Economia Paulo Guedes dentro do projeto "Carteira Verde e Amarela" a fim de reduzir os custos de contratação. Duramente criticadas, elas acabaram sendo deixadas de lado.

As propostas mais draconianas não foram ressuscitadas, como a substituição da contribuição patronal ao INSS de 20% por, veja só, uma taxa de 7,5% a ser cobrada das parcelas de quem recebe seguro-desemprego. Neste caso, o PL 5229/2019 prevê a redução de 20% para 10%, mas sem citar a fonte de receita dessa renúncia - o que contribui para o déficit da Previdência Social.

O projeto também prevê que o recolhimento mensal do FGTS caia de 8% para 6%, 4% e até 2%. As empresas podem abrir essas novas vagas no equivalente a 10% da média de empregados registrados na folha de pagamento no ano anterior. Pessoas com 50 anos ou mais e sem vínculo formal há mais de um ano também podem participar.

O projeto agora volta para o Senado para análise por ter sido modificado.

Ninguém é contra criar mecanismos para facilitar a contratação formal, principalmente quando se trata de grupos afetados por taxas de desemprego acima da média da sociedade.

A questão é quem está pagando a conta por isso. Pois o projeto aprovado prevê benefícios ao empregador custeados pelos trabalhadores (FGTS menor) e pelo Estado (INSS menor). Afinal, emprego não é "favor" de patrão, mas uma relação em que trabalhadores geram riqueza para o proprietário do empreendimento e são pagos para isso. Muitas vezes, mal pagos.

Outro ponto é que o PL não funciona sob a lógica de vagas de aprendizagem, que deveriam ser incentivadas neste momento de vida dos jovens trabalhadores. Na prática, produz um primeiro emprego, com todas as suas obrigações, mas com menos direitos.

O Ministério Público do Trabalho havia se posicionado contra o projeto. Em sua avaliação, externada em nota técnica, "retira-se totalmente a proteção ao empregado contratado na modalidade do primeiro emprego e leva sua condição a patamares que violam frontalmente a dignidade humana".

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"A 'lei do primeiro emprego' visa a dar uma nova roupagem a institutos em cuja essência já existem e estão regulamentados há muito tempo. Viola-se o princípio da melhoria da condição social do trabalhador ao instituir-se novas regras que entram em conflito direto com as já existentes, o que pode levar a uma antinomia aparente, levando os incautos a crer na revogação tácita dos contratos especiais retromencionados".

A proposta insere-se na antiga cantilena de que, para gerar postos de trabalho, é necessário reduzir direitos e proteções - neste caso, do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço.

Durante os trâmites da Reforma Trabalhista, a narrativa de que correria leite e mel no meio-fio das grandes cidades e nas estradas de terra do interior foi bombada para convencer que valeria a pena substituir direitos por empregos.

Tem gente esperando até hoje esse milagre chegar.

Durante a campanha eleitoral de 2018, Jair Bolsonaro criou aquele que viria a se tornar um dos bordões do seu governo, repetido à exaustão: "O trabalhador vai ter que decidir se quer menos direitos e emprego, ou todos os direitos e desemprego".

A redução dos caminhos possíveis a dois indicava que o governo não queria ou não sabia fazer de outra maneira. Essa redução continua presente hoje.

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O IBGE divulgou, nesta quarta (22), que a taxa de desocupação caiu de 8,7% para 7,7% em um ano. O número, estimado pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD) Contínua, ainda precisa melhorar, mas a constante queda aponta que o emprego pode se recuperar sem precisar de salamaleques, como o PL 5228/2019.

Gerar empregos através da retirada de direitos é uma reciclagem do conto do vigário. A tragédia da história não é se repetir como farsa, mas como galhofa. Daí, o receio de que o modelo aprovado pela Câmara seja expandido para outros grupos etários se der certo. A questão é: dar certo para quem?

Errata:

o conteúdo foi alterado

  • Ao contrário do que foi informado originalmente, a contribuição do FGTS é de 8% e não 8,3% da remuneração mensal.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL