Leonardo Sakamoto

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Opinião

Vini Jr venceu, mas não calou racistas. Times lá e aqui precisam de punição

A Justiça espanhola condenou a oito meses de prisão, mais uma proibição de ir a estádios por dois anos, três torcedores do Valência que lançaram insultos racistas contra o brasileiro Vinícius Júnior. Durante um jogo em 21 de maio de 2023, o jogador do Real Madrid foi chamado insistentemente de "macaco". A partida, que chegou a ser interrompida, foi manchete em todo o mundo, mostrando a imbecilidade em seu estado mais cru.

A sentença é uma vitória não apenas de Vini Jr em sua luta contra o racismo (o melhor jogador do mundo e um ser humano gigantesco) como de qualquer pessoa que não morreu por dentro. Mas ela é o mínimo e vem com atraso.

A demora por punições levou a Vini Jr ser alvo costumeiro de criminosos que se dizem torcedores, com insultos grotescos e nojentos. Até boneco representando jogador foi enforcado em ponte.

O próprio Javier Tebas, presidente da La Liga, criticou inicialmente a vítima - cumprindo a cartilha da estupidez. Teve que se desculpar após uma avalanche de críticas contra seu comportamento passa-pano e anunciar medidas contra o racismo.

Não basta focar apenas em torcedores e jogadores, os clubes e federações também precisam ser punidos diante do comportamento de seus torcedores. Isso inclui prisões e banimento de agressores, mas também perda de pontos, suspensão ou exclusão de times, demissão de passadores de pano, rescisão de patrocínios, além de multas multimilionárias. E o repúdio da sociedade contra quem tenta justificar imbecilidades.

A Federação Espanhola ordenou que o setor sul da arena do clube ficasse fechado por cinco partidas e que uma multa de 45 mil euros fosse aplicada. Após recurso, o time reduziu o gancho para três jogos e a multa para 27 mil euros. Tão pouco que os seus torcedores continuam atacando Vini Jr, chamando-o de mentiroso.

Crimes como o de maio de 2023, cometido contra o principal jogador brasileiro no exterior, não são culpa apenas de três indivíduos, mas responsabilidade de um sistema que protege quem o comete, permitindo que eles se sintam seguros através da impunidade. Isso, vejam só, também acontece por aqui.

Por isso, a luta antirrascista de Vini Jr. não é espanhola, mas universal.

Este momento precisa servir para despertar a justa indignação não apenas contra os estrangeiros que chamam nossos compatriotas de "macacos" e enforcam bonecos de jogadores negros em pontes, mas também com o racismo e a homofobia que ocorrem nos estádios brasileiros.

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Há brasileiros racistas que vão aos estádios e tornam a vida de jogadores um inferno. Muitos dos esportistas relevam porque acham que reclamar não vai dar em nada. Afinal, muitos até receberam apelidos com base em sua cor de pele de olheiros, treinadores e companheiros de time, reforçando um racismo recreativo e deixando claro as relações de poder. Petróleo, Fumaça, Grafite, Fumaça, Somália, Negrete.

Mesmo que os jogadores digam que não se importam com o racismo, eles são vítimas. "Ah, mas isso é o futebol-raiz", dizem alguns esquecendo que o racismo no Brasil também é raiz.

Outra questão é a homofobia. No mesmo meio de maio de 2023, a torcida do Corinthians agiu de forma criminosa no empate contra o São Paulo. E como no estádio em Valência, não eram um ou dois, mas uma multidão cantando um crime.

Pouco importa que clubes repudiem isso, o STJD (Superior Tribunal de Justiça Desportiva) precisa tirar três pontos dos times no campeonato em questão por conta, como prevê o artigo 243-G do Código Brasileiro de Justiça Desportiva. E suspender o mando de jogo por um rosário de jogos.

O caminho para uma punição rigorosa já existe. Em setembro de 2014, o pleno do STJD retirou três pontos do Grêmio, levando à exclusão do time gaúcho da Copa do Brasil por causa das ofensas racistas de torcedores contra Aranha, então goleiro do Santos. O clube ainda foi multado em R$ 54 mil e os envolvidos nos xingamentos proibidos de entrar em estádios. O árbitro e o quarto árbitro foram suspensos por não relatarem o ocorrido.

Avanços têm acontecido, mas lentos demais.

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Claro que, como já disse aqui, uma punição rigorosa não resolve o problema por decreto, nem aqui, nem na Espanha. Federações, times e torcidas ainda farão vistas grossas ou mesmo darão apoio de forma velada ao preconceito. Mas é uma indicação de que há coisas que não podem e não devem ser toleradas.

"E se alguém usar uma camisa de outro time e xingar?", "Cadê minha liberdade de expressão?", "Ah, mas que radicalismo!", "Deixa o povo se divertir", "É só brincadeira", "É só futebol". Não, não é só futebol. Porque futebol é grande demais para ser só futebol. É também espelho da sociedade que somos e farol daquilo que precisamos ser. E quando futebol é palco para agressão da dignidade, não é apenas um determinado grupo, mas toda a sociedade que é atacada.

E não importa se são dez ou mil os que gritaram. Diante de homofobia e racismo, o silêncio por parte dos outros torcedores é sim conivência. Eles precisam a aprender a não permitir que isso aconteça sob risco do seu grupo ser prejudicado.

Se não sabe viver em sociedade, não vá ao estádio. Ou, estando lá, não abra a boca. E se abriu a boca para cometer crimes, precisa ser punido. E se punição do indivíduo não houver, que o time responda por isso.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL