Leonardo Sakamoto

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Opinião

Câmara vota para dificultar vida de negros que querem entrar na política

Desidratada em relação ao seu texto original, mas ainda assim um risco aos direitos políticos da população negra, a PEC da Anistia dos partidos foi aprovada pela Câmara dos Deputados nesta quinta (11). E indica que a preocupação com a pluralidade na política pode ser apenas discurso de campanha eleitoral.

Com exceção da federação PSOL-Rede e do Novo, que fecharam posição contra a proposta, 344 parlamentares de diferentes colorações ideológicas, no primeiro turno, e 338, no segundo, chancelam uma PEC que reduz a punição de partidos por multas, como no caso do descumprimento de repasses mínimos para candidaturas de pessoas negras. E diminui o montante de recursos destinados a elas nas próximas eleições.

Também cria um programa eterno de refinanciamento de dívidas e concede aos partidos e a seus institutos imunidade tributária. E dá perdão em casos de multas por conta de irregularidades nas prestações de contas. Medidas do tipo "coisa de mãe". Neste caso, mãe de filho branco.

Os defensores da proposta de emenda constitucional afirmam que ela traz a obrigatoriedade de os partidos repassarem, pelo menos, 30% dos recursos do fundo eleitoral para financiarem candidaturas de pessoas negras. Mas, primeiro, não há nada que garanta distribuição igualitária desse montante, ou seja, as cúpulas poderão destinar muito para poucos (normalmente quem já tem cargo) e pouco para muitos (os que tentam ser eleitos pela primeira vez).

Além disso, a PEC pode permitir uma redução nos valores de financiamento. Um entendimento do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) aponta que o total destinado a negros deve ser proporcional à sua participação entre os total de candidatos. Em 2022, mais da metade foram negros, o que obrigaria a mais da metade dos recursos serem destinados a ele. Com a aprovação da PEC, caso destinem apenas 30%, os partidos estarão cumprindo as regras.

Após forte chiadeira da sociedade diante de propostas para enfraquecer a participação de mulheres no sistema político, essas ideias foram retiradas. Ficaram aquelas que tornam distante uma política que represente a cor de 55,5% dos brasileiros.

O apoio suprapartidário à proposta mostra que o PT de Lula e o PL de Bolsonaro podem trabalhar juntos quando lhes convém.

Hoje, o sistema partidário brasileiro funciona como um clubinho masculino e branco, que dificulta a entrada de novos integrantes. Ressalte-se que o parlamento não está desconectado do tecido social do país, por certo, uma vez que a proporção de negros nos conselhos de grandes empresas ou entre o total de cargos executivos também é bem menor que o de brancos.

Aumentar a participação de negros significa diminuir a de brancos. E isso tem gerado obstáculos, principalmente na política local. Líderes partidários, na sua maioria, homens brancos, chegam ao ponto de atuar para que mulheres e negros participem do pleito, para angariar votos a outras candidaturas, mas não tenham tanta exposição e recursos a ponto de serem eleitos.

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Como retirar a imagem dos partidos políticos da UTI e garantir que representem não apenas as diferentes opiniões, mas a sua própria diversidade? Além de mulheres e negros, a população LGBT+ e os trabalhadores têm representação no Congresso muito inferior do que sua fatia na sociedade. E isso tem impacto direto na formulação de políticas públicas e na defesa de direitos.

É impossível que uma Câmara composta de homens, brancos, héteros, empresários, por mais boa vontade que tenha (e boa parte não tem) possa entender a realidade de outros grupos historicamente excluídos de sua cidadania e falar por eles. Há aspectos que dizem respeito à vida e dignidade de grupos que não temos legitimidade para discutir e decidir.

Com algumas exceções, as estruturas partidárias são autoritárias e pouco democráticas, com regras internas que mudam ao sabor do vento, favorecendo quem está em seu controle. Isso faz com que se pareçam mais com feudos do que com instâncias de debate e construção coletiva. A Reforma Política discutiu, discutiu e acabou por facilitar - para o curto prazo - a reeleição de quem já está no poder. Com isso, perdemos uma boa oportunidade para melhorar nossa democracia e reduzir nosso machismo e racismo estruturais.

A votação de hoje apenas reconhece que "mudança na política" muitas vezes é um slogan de marqueteiro resgatado do limbo de quatro em quatro anos.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL