Leonardo Sakamoto

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Opinião

Motorista do Porsche chorou de dó de si, não por aquele que ele matou

O motorista do Porsche que perseguiu e matou um motociclista na avenida Interlagos, em São Paulo, chorou durante sua audiência de custódia. As lágrimas foram vertidas quando o seu advogado contou a história de vida do atropelador, o que indica que o acusado estava sim com dó, mas de si mesmo.

O vídeo da audiência, ocorrida na última terça (30), foi obtido pelo UOL e divulgado na noite desta sexta. Igor Sauceda está preso preventivamente pelo crime, que aconteceu na madrugada de segunda. O Ministério Público o denunciou por homicídio triplamente qualificado - motivo fútil, uso de meio cruel e impossibilidade de defesa da vítima.

"As imagens são claras e demonstraram que o indiciado utilizou o seu veículo como uma verdadeira arma, perseguiu a vítima e a atingiu", afirmou a juíza Vivian Brenner de Oliveira que o manteve preso.

É a terceira vez, em um curto espaço de tempo, em que Porsches são usados como armas letais. Houve também a morte do motorista de aplicativo Ornaldo Viana, cujo carro foi destruído pelo Porsche 911 Carrera de Fernando Sastre de Andrade em São Paulo. E a morte do entregador de aplicativo Hudson Ferreira ao ser atingido em sua moto pelo Porsche Cayenne de Arthur Navarro, em Campo Grande (MS). Ambas no mês de março.

A prisão realmente quebra o espírito de uma pessoa. Mas ao limpar as lágrimas diante da narrativa de sua história, contada como uma superação individual, o motorista apenas reforça uma imagem contrária ao que ele queria vender sobre si. Por que não demonstrar empatia apenas pelo que aconteceu com a vítima, Pedro Figueiredo?

O choro público diante da hipótese de ficar um longo tempo na cadeia tem surgido com frequência também nas crônicas políticas envolvendo o mandatário anterior. Não é jóia rara, principalmente se você não se vacina psicologicamente contra isso, mostrando que sentiu o golpe.

John Donne, poeta inglês, citado em "Por Quem os Sinos Dobram", de Ernest Hemingway, defendeu, há séculos, que nenhum humano é uma ilha isolada em si mesmo.

"Cada ser humano é uma parte do continente, uma parte de um todo. Se um torrão de terra for levado pelas águas até o mar, a Europa ficará diminuída, como se fosse um promontório, como se fosse o solar de teus amigos ou o teu próprio. A morte de qualquer ser humano me diminui, porque sou parte do gênero humano. E por isso não pergunte por quem os sinos dobram, eles dobram por ti."

Perceber que a morte de qualquer ser humano me diminui, porque é um ponto final de uma biografia única, seria motivo para protegermos melhor da vida, a nossa e a dos outros. Quem entende isso, e percebe que a existência vale mais que um retrovisor quebrado, desacelera. Quem não, e acredita ser uma ilha isolada do resto do grande continente humano, corre atrás de vingança.

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Talvez, com um tempo apartados do convívio social, algumas pessoas tenham tempo para refletir sobre um dos fatos mais importantes da vida, e por isso tão difícil de ser compreendido: ela não é apenas sobre você.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL