Motorista do Porsche chorou de dó de si, não por aquele que ele matou
O motorista do Porsche que perseguiu e matou um motociclista na avenida Interlagos, em São Paulo, chorou durante sua audiência de custódia. As lágrimas foram vertidas quando o seu advogado contou a história de vida do atropelador, o que indica que o acusado estava sim com dó, mas de si mesmo.
O vídeo da audiência, ocorrida na última terça (30), foi obtido pelo UOL e divulgado na noite desta sexta. Igor Sauceda está preso preventivamente pelo crime, que aconteceu na madrugada de segunda. O Ministério Público o denunciou por homicídio triplamente qualificado - motivo fútil, uso de meio cruel e impossibilidade de defesa da vítima.
"As imagens são claras e demonstraram que o indiciado utilizou o seu veículo como uma verdadeira arma, perseguiu a vítima e a atingiu", afirmou a juíza Vivian Brenner de Oliveira que o manteve preso.
É a terceira vez, em um curto espaço de tempo, em que Porsches são usados como armas letais. Houve também a morte do motorista de aplicativo Ornaldo Viana, cujo carro foi destruído pelo Porsche 911 Carrera de Fernando Sastre de Andrade em São Paulo. E a morte do entregador de aplicativo Hudson Ferreira ao ser atingido em sua moto pelo Porsche Cayenne de Arthur Navarro, em Campo Grande (MS). Ambas no mês de março.
A prisão realmente quebra o espírito de uma pessoa. Mas ao limpar as lágrimas diante da narrativa de sua história, contada como uma superação individual, o motorista apenas reforça uma imagem contrária ao que ele queria vender sobre si. Por que não demonstrar empatia apenas pelo que aconteceu com a vítima, Pedro Figueiredo?
O choro público diante da hipótese de ficar um longo tempo na cadeia tem surgido com frequência também nas crônicas políticas envolvendo o mandatário anterior. Não é jóia rara, principalmente se você não se vacina psicologicamente contra isso, mostrando que sentiu o golpe.
John Donne, poeta inglês, citado em "Por Quem os Sinos Dobram", de Ernest Hemingway, defendeu, há séculos, que nenhum humano é uma ilha isolada em si mesmo.
"Cada ser humano é uma parte do continente, uma parte de um todo. Se um torrão de terra for levado pelas águas até o mar, a Europa ficará diminuída, como se fosse um promontório, como se fosse o solar de teus amigos ou o teu próprio. A morte de qualquer ser humano me diminui, porque sou parte do gênero humano. E por isso não pergunte por quem os sinos dobram, eles dobram por ti."
Perceber que a morte de qualquer ser humano me diminui, porque é um ponto final de uma biografia única, seria motivo para protegermos melhor da vida, a nossa e a dos outros. Quem entende isso, e percebe que a existência vale mais que um retrovisor quebrado, desacelera. Quem não, e acredita ser uma ilha isolada do resto do grande continente humano, corre atrás de vingança.
Talvez, com um tempo apartados do convívio social, algumas pessoas tenham tempo para refletir sobre um dos fatos mais importantes da vida, e por isso tão difícil de ser compreendido: ela não é apenas sobre você.