Anvisa trava pesquisa terapêutica com substância de cogumelo psicodélico
Um instituto de pesquisa vem travando longa batalha judicial com a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) por uma autorização de estudos sobre o uso terapêutico de substância psicoativa presentes em algumas espécies de cogumelos psicodélicos. E mesmo com uma decisão favorável da Justiça Federal, a agência ainda não concedeu autorização.
A psilocibina, substância estudada pelo Instituto Phaneros, localizado na capital paulista, tem sido usada em pacientes com quadros psiquiátricos graves, como estresse pós-traumático, com bons resultados e sem os mesmos efeitos colaterais dos remédios convencionais, como dependência.
No século passado, o Brasil alinhou-se aos Estados Unidos na proibição de uma lista de substâncias psicodélicas tanto para uso recreativo quanto medicinal, criando enorme preconceito sobre elas. Mas os tratados internacionais de controle de drogas sempre fizeram exceção à pesquisa clínica. A pesquisa vem sendo autorizada, mas universidades ou a indústria farmacêutica têm tido mais facilidade do que outras instituições, indo na contramão do mundo.
O instituto foi à Justiça Federal em 2022 reclamando que a Anvisa dificulta o seu trabalho ao criar entraves para a obtenção de insumos, e solicitando que conceda uma autorização especial, já prevista pelo seu regulamento. Também criticou a sequência de pedidos negados mesmo atendendo às demandas da agência.
Decisão do juiz federal Mateus Pontalti, da 13ª Vara Federal Cível do Distrito Federal, em abril deste ano, determinou que a Anvisa analise o mérito da Autorização Especial Simplificada para Instituição de Ensino e Pesquisa (AEP) e que se abstenha de indeferir requerimentos do instituto com base no argumento de que ele não pode fazer essa solicitação. Ambos os lados não recorreram da decisão.
Todas as informações foram fornecidas a Anvisa há dois meses, mostrando que não há pendências técnicas, mas até agora não houve resposta. A Justiça Federal havia dado prazo de 15 dias para manifestação da agência a partir da decisão de Pontalti.
Questionada pelo UOL, o órgão enviou nota em que afirma que "não há descumprimento à decisão judicial visto que o pedido de autorização do instituto está em análise pela Anvisa".
E completou defendendo não ser possível fornecer informações adicionais sobre o processo "porque as informações relativas à atividade empresarial de pessoas jurídicas de direito privado que foram apresentadas à Anvisa em razão de sua atividade de regulação devem receber tratamento sigiloso". Ressalte-se que a ação não está sob Segredo de Justiça.
Para o neurocientista Eduardo Schenberg, fundador do Instituto Phaneros e pesquisador da University College London, a resposta da agência é frustrante, mas não surpreendente.
"Repetidamente, a Anvisa trata os próprios prazos com desdém e age como se atrasos não fizessem qualquer diferença. Mas é quase impossível gerenciar um negócio, inovar, empreender e desenvolver pesquisa cientifica se, em quase dois anos, um processo está em análise, mas não há qualquer previsão de sua conclusão", afirma.
Para ele, isso soa como atitute anti-científica: "Querem impedir estudos pela exaustão dos pesquisadores e esgotamento dos recursos? Mais grave ainda é tornar inócua decisão judicial, em grave prejuízo à população que tanto sofre de transtornos mentais e busca por novas opções de tratamentos", completa.