Leonardo Sakamoto

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Opinião

Bets viciam mais do que o crack, com produto anunciado no horário nobre

O país corre para regulamentar as casas de apostas online sob a justificativa de que isso trará empregos, impostos e anúncios, praticamente ignorando o tamanho da encrenca em saúde pública que a epidemia de vício das bets já está trazendo. Ela se espalha mais rápido do que o crack, de forma silenciosa e acessível, afinal ninguém fuma pedra pelo celular. E com o agravante de que o produto é anunciado no horário nobre e tem a benção do Estado brasileiro.

É cômico falar em preocupação com os dependentes em jogos se a operação desse tipo de empreendimento depende, em última instância, de apostas feitas de forma compulsiva. Tão inútil quando o "beba com moderação" das propagandas de álcool é o "jogue com responsabilidade", que algumas bets já trazem em seus anúncios.

Antes mesmo da regulamentação, enquanto essas empresas operam no limbo jurídico, centros de tratamento já sentem o aumento na demanda por dependentes em jogos e pessoas ultraendividadas que pensam em se matar.

Quem diria que uma sociedade com milhões de pessoas com pouco dinheiro no bolso e despreparada para a jogatina se viciaria na promessa de dinheiro fácil, não é mesmo? Piores do que os bingos, que levaram ao adoecimento psíquico de muita gente e à dilapidação de patrimônio, bets estão a um smartphone de alcance.

Reportagem da Folha de S.Paulo desta segunda (19) aponta que elas ou as associações que as representam estiveram com o governo federal 251 vezes durante a elaboração de como será o mercado de apostas, enquanto profissionais da saúde foram ouvidos apenas cinco vezes.

Entre o público dessas empresas, 46% são jovens adultos entre 19 e 29 anos, 34% são das classes C, D e E e 25% da A e B, segundo o Instituto Locomotiva trazidos pelo jornal. E o dado alarmante: um terço dos apostadores está endividado e com nome sujo na praça.

Reportagem de Carlos Madeiro, no UOL, em junho, já havia apontado que trabalhadores estão se endividando até com empregadores, perdendo o dinheiro da própria sobrevivência por causa da jogatina online. E a Polícia Civil do Paraná prendeu uma mulher de 22 anos, acusada de desviar mais de R$ 179 mil do próprio avô para gastar no "Jogo do Tigrinho".

Para uma parte dos legisladores, contudo, desgraça é a maconha, que eles xingam entre um copo de uísque e outro. Na realidade, um usuário frequente de bets pode acabar com a própria vida e a da sua família. O de maconha, na maioria das vezes, acaba com o resto do pudim que estava na geladeira.

Como já disse aqui, o uso abusivo em jogo e em drogas deveria ser encarado com uma questão de saúde pública no Congresso, mas o primeiro é visto como oportunidade pelos parlamentares e o outro, como crime.

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Com a aprovação e sanção da lei das bets, regularizando as apostas online sob a justificativa de permitir controle, fiscalização e arrecadação, o Estado brasileiro admitiu um fato consumado.

Se as chances de ficar rico fossem realmente gigantes como os anúncios na TV, no rádio e nas redes fazem crer, não haveria tanta empresa brasileira e estrangeira oferecendo seus serviços de apostas. Ou vocês, acham que elas fazem assistência social?

Pelo contrário: outra reportagem da Folha mostra que estimativa do Itaú aponta que o balanço entre vitórias e derrotas de todos os apostadores brasileiros foi de R$ 23,9 bilhões, mas a favor da casa das bets, no período entre junho de 2023 e junho de 2024. Como os lucros vão para fora do país, onde as sedes das jogatinas estão instaladas, o país sangra.

Campanhas de informação não vão fazer frente ao bombardeio das bets, que estampam seus nomes em camisas de times de futebol e em anúncios em veículos de comunicação, além de comprar influenciadores. Por isso, a regulamentação deveria prever que, para além dos impostos cobrados, o mesmo montante gasto com a publicidade por essas empresas seja destinado ao Sistema Único de Saúde exclusivamente para atuar no tratamento do pessoal que adoecer pela jogatina.

Não está se discutindo aqui a proibição de nada, até porque seria praticamente impossível, tal como a proibição das drogas — sim, o Congresso age de forma hipócrita. Mas o que está se desenhando é uma situação em que, no final das contas, as bets vão lucrar bilhões, sugando os brasileiros pobres até transformá-los em bagaço para o Estado cuidar.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL