Leonardo Sakamoto

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Opinião

Ao julgar suspensão do X, Nunes Marques mostrará se deve algo a Bolsonaro

Os deuses que regem o processo de sorteio de relatores de ações no Supremo Tribunal Federal resolveram colocar fogo no parquinho ao escolherem Kassio Nunes Marques para analisar uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) contra a decisão de Alexandre de Moraes que suspendeu o X no país. Com isso, o ministro terá a possibilidade de mostrar se ainda deve algo a Jair Bolsonaro, que o indicou à cadeira.

A decisão de Moraes foi confirmada, nesta segunda (2), por unanimidade, pelos cinco votos da Primeira Turma do STF em plenário virtual. Nunes Marques é da Segunda Turma, portanto, não votou. Ele pode tomar uma decisão monocrática, enviar para o plenário ou tomar uma decisão e enviar para o plenário.

Se decidir que o partido Novo, que protocolou a ADPF, tem razão, ou seja, que a decisão de Moraes foi inconstitucional por ter batido de frente com a liberdade de expressão, o devido processo legal e a proporcionalidade, a rede volta ao ar.

Se encaminhar ao plenário, certamente a decisão de Moraes será chancelada pelo coletivo, lembrando que ela já tem cinco votos da Primeira Turma e precisaria de apenas mais um para ter maioria.

"Uma decisão de Nunes Marques removendo a suspensão do X seria grave porque já não significaria apenas derrubar uma decisão de Moraes, mas uma decisão colegiada da turma", explicou à coluna a constitucionalista Eloísa Machado, professora da FGV Direito-SP e coordenadora do centro de pesquisa Supremo em Pauta.

"Não existe ação contra decisões de ministros do Supremo Tribunal Federal que não seja a revisão pelo colegiado. O controle de decisões é feita pelo colegiado. Mas, há alguns anos, inaugurou-se uma nova porta, de se admitir a ADPF para questionar, inclusive, atos de ministros", avalia. Ironicamente, o precedente foi aberto no inquérito das fake news.

Na avaliação dela, mesmo se Nunes Marques der uma decisão liminar, certamente o plenário vai querer se manifestar em relação a isso. "E os outros ministros têm ferramentas para constranger os colegas a liberarem a medida para referendo coletivo. E, nesse caso, ficaria isolado e perderia", diz.

Ou seja, o X/Twitter pode voltar e ser derrubado de novo, o que seria ruim para a imagem do próprio STF, mas bom para o bolsonarismo - que está organizando para 7 de setembro atos pelo impeachment de Alexandre de Moraes e de apoio à anistia dos golpistas condenados pelo 8 de janeiro de 2023.

"Nunes Marques, em ações relevantes para a defesa da democracia, pareceu se aliar aos interesses de Bolsonaro, que o indicou ao Supremo", avalia Eloísa Machado.

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A professora foi comedida em seu comentário. A bem dos fatos, o ministro Nunes Marques já mostrou que não tem compromisso pleno com a agenda de defesa das instituições democráticas.

Um dos exemplos é a liminar que ele concedeu ao deputado estadual bolsonarista Fernando Francischini (União Brasil), suspendendo a decisão do Tribunal Superior Eleitoral que cassou o seu mandato por divulgar fake news contra o sistema eleitoral, em junho de 2022. A Segunda Turma do STF derrubou a decisão dele na semana seguinte, o que provocou constrangimento na corte.

O cenário é diferente agora porque Bolsonaro não apenas é ex-presidente, mas também foi condenado e tornado inelegível pelo TSE. E o plenário também já mostrou que derruba decisões de Kassio Nunes Marques sem cerimônia. Resta saber se o ministro Nunes Marques ainda acha que deve algo ao presidente para comprar briga com os colegas após a decisão unânime da Primeira Turma.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL