Bloqueio do STF deixa extrema direita brasileira falando para si mesma no X
Com a suspensão do X/Twitter no Brasil por descumprir decisões judiciais e desrespeitar a lei, jornalistas e pesquisadores que vivem fora do país e, portanto, continuam com acesso, contam que a rede se tornou uma espécie de distopia pós-apocalíptica da extrema direita - que continua acessando a plataforma via VPN. É bolsonarista pregando para bolsonarista, ou seja, uma bolha falando para si mesma.
Para além de desrespeitar a decisão judicial, a utilização do programa que mascara a origem do acesso demanda uma energia que o pessoal que quer rir de meme de gato, falar da vitória do Palmeiras, reclamar do personagem de Vladimir Brichta na novela ou simplesmente se informar não parece estar disposto a gastar. Com exceção de um alguns super entusiastas da plataforma, os que permanecem fazem isso pelo gesto político.
O embate entre parlamentares de diferentes visões políticas deixou de ocorrer na plataforma que, com isso, perdeu importância no debate público em poucos dias. Ficaram deputados e senadores, entre outros, ligados ao bolsonarismo, como mostram reportagens feitas por correspondentes fora do Brasil. Não fazem mais disputa, mas palestra aos seguidores, que continuam acessando a rede.
Influenciadores da extrema direita também tiveram alcance de seus discursos limitado porque, agora, pregam aos convertidos. Com isso, a capacidade de o bolsonarismo vender sua visão de mundo foi reduzida significativamente do dia para a noite. O material distribuído no X pode ser repostado em outras redes e aplicativos de mensagens, claro. Mas há muita gente que segue a Lei de Jaiminho e quer evitar a fadiga.
Segundo Pedro Barciela, pesquisador de redes sociais, além da queda nos tuítes publicados após a proibição, dados colhidos, lá fora, nos termos das bios de quem continua postando, mostra que "Flamengo", "Corinthians", "fan", "mundo" e "amor" deram lugar a "patriota", "família", "conservador", "Brasil" e "liberdade".
Por mais que o ministro Alexandre de Moraes tenha imposto multa a quem acessa o X via VPN, é praticamente impossível punir todos os que fizerem isso - o que torna a medida inócua. Mas o grosso dos usuários está migrando para outras redes como Threads e Bluesky, reforçando suas contas no Instagram e no TikTok e até ressuscitando seu cadastro no Facebook.
Essas redes têm tomado ações para evitar a imagem de terra sem lei que maculou o X após sua compra pelo bilionário Elon Musk. De bestialismo, passando por decapitações e até violência sexual, a plataforma trouxe a deep web para a superfície. Até ataques armados a escolas foram combinados e incentivados através dela à luz do dia.
A suspensão do X/Twitter está ajudando a bombar os atos de 7 de setembro de apoio aos golpistas do 8 de janeiro de 2023 e contra Alexandre de Moraes e o STF. Até Musk se tornou garoto propaganda dos eventos. Mas por mais volumosos que sejam, eles vão levar essa bolha do X/Twitter às ruas - que não representa a maioria da população.
A estratégia é, como sempre, gerar imagens para serem vendidas como apoio total da população nacional a Bolsonaro e contra Moraes. A falácia parte de um fato concreto (o ex-presidente é uma pessoa popular capaz de atrair multidões) para vender uma extrapolação falsa (essas multidões demonstram que a maioria dos brasileiros está com ele). O bolsonarismo-raiz, alinhado perfeitamente a ele, gira entre 15% e 20% da população, o que, repito, não é pouca gente - dá entre 30 e 40 milhões.
Mas não é maioria. A maioria está mais preocupada em melhorar o seu poder de compra e que não mexam no WhatsApp (que está em 98% dos celulares do país).
Falei com três jornalistas e dois pesquisadores fora do Brasil que continuam conseguindo acessar o X/Twitter. Ouvi deles que, com algumas exceções, o espaço brasileiro na plataforma está parecendo um "Last of Us" da extrema direita - com roteiro de baixa qualidade claro. A câmara de eco se intensificou agora que o bolsonarismo radical está concentrado por lá. Mas é isso, uma grande câmara de eco que não fala pelo resto do Brasil.