Leonardo Sakamoto

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Reportagem

Marçal revela projeto messiânico ao se ver maior que Salomão, diz teólogo

Vídeos que mostram o candidato Pablo Marçal (PRTB) se colocando acima do rei Salomão, um dos mais reverenciados personagens do Velho Testamento, a quem são atribuídos os livros de Provérbios, Eclesiastes e o Cântico dos Cânticos, circulam nas redes desde a semana passada. O que gerou indignação entre cristãos e passou a ser usado por seus adversários.

"Ao se comparar a Salomão, Pablo Marçal se coloca em patamar de uma nobreza sem paralelo na história judaica", afirma o pastor Ricardo Gondim, presidente da Igreja Betesda, considerado referência entre os teólogos evangélicos. "Entre a riqueza e a sabedoria, Salomão escolheu a sabedoria. Marçal, imitando Donald Trump, se coloca como alguém que é rico e, ao mesmo tempo, tem habilidades intelectuais fora do normal."

Gondim lembra que Salomão construiu o monumental Templo de Israel enquanto Marçal anuncia que vai construir um monumental edifício com um quilômetro de altura. "Ironicamente, ele não leva em conta que o empreendimento de Salomão, que ele pretende ultrapassar de forma megalomaníaca, levou o reino de Israel à bancarrota e a uma guerra civil", diz.

No vídeo, Marçal desafia os fiéis a procurarem o nome de Salomão no Google. "Bate o nome dele lá. Sabe por que eu estou te falando isso? Porque nós precisamos parar de venerar Salomão", afirma.

"Salomão escreveu três livros, eu escrevi 45. Salomão tinha mil mulheres e não encontrou a paixão da vida dele, eu tenho só uma. Salomão nunca voou. Salomão nunca falou com o planeta Terra inteiro ao mesmo tempo e eu estou falando. Salomão nunca teva a atenção de 50 milhões de pessoas, Salomão não tem 2,4 bilhões de marcação no TikTok", disse também. "Salomão era um nenê", define o candidato.

Outro vídeo que também viralizou é aquele em que Pablo Marçal, em evento realizado, em Goiânia, em 2021, tentou fazer uma mulher cadeirante voltar a andar na base da oração. Sem sucesso, claro. A cena, em que ele tenta copiar a cura presente nos evangelhos e em determinados cultos religiosos, é constrangedora.

"Pablo Marçal é evangélico. Sua fala tem todos os 'códigos' do mundo neopentecostal. Quando o vi tentando curar a moça numa cadeira de rodas e, no maior cinismo, dizer que a culpa de não se levantar era do auditório, mais que um charlatão eu o identifiquei imediatamente com minhas antigas racionalizações sobre milagre. Ou seja, 'nossa obrigação é orar, se Deus vai curar ou não é uma decisão dele.' Tudo isso é sinistro e cruel", avalia Gondim.

Essas comparações tem potencial de atingir a sua imagem, mas também conectá-lo a um público suscetível ao projeto de uma liderança messiânica e que acredita na prosperidade material e na cura como resultado da fé.

"Ele também representa tanto os 'farialimers' como os 'caipiras goianos', com o discursos daquele que venceu. Articulado nas frases de efeito e com uma pegada tipicamente meritocrática, nada de braçadas nos empreendedores do 'mercado'", afirma Gondim.

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Para Gondim, que estuda o impacto do discurso extremista entre o público evangélico, Marçal não é de extrema direita.

"Ele copia o que 'dá certo'. Trump chama seus oponentes de apelidos, Marçal também. Trump aponta o dedo para 'fake news', Marçal também. Trump prometeu uma cerca que o México iria pagar, Marçal quer construir um edifício de mais um quilômetro de altura para mostrar a imponência de São Paulo. Trump se considera o homem com um QI excepcional, Marçal se diz superior a Salomão - e por aí vaí", afirma.

Ricardo Gondim avalia que, com isso, o candidato não tem um projeto político, mas está empenhado em uma "corrida narcísica".

"Enquanto Bolsonaro tinha um projeto familiar - fortalecer o clã - e encher as burras de dinheiro, Marçal tem um projeto solo: é ele por ele mesmo. Bolsonaro queria ser um autocrata, mas dividindo o poder com figuras patéticas, todavia, não se tem notícia de quem seriam os principais parceiros de Marçal", diz.

Mas investigações policiais e da imprensa podem dar uma pista. Gravação mostra o presidente do PRTB, Leonardo Avalanche, afirmando ser ligado ao PCC e ter ajudado na soltura de um de seus líderes. Outras lideranças do partido são investigadas pela Polícia Civil por trocar cocaína por carros de luxo em nome da facção criminosa.

Na avaliação do teólogo, o fato de alguém que se apresentar como um "caipira do Planalto Central" fazer o barulho que faz em uma cidade cosmopolita como São Paulo, prova um abalo na forma de fazer política. Uma forma que usa Deus não como objetivo, mas como ferramenta.

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