No 1º turno, inteligência artificial não foi páreo para a burrice humana
A aposta que o uso maciço de ferramentas de inteligência artificial manipularia a campanha eleitoral deste ano não se comprovou. O que causou impacto real foi a conhecida burrice humana, ampla, analógica, anacrônica.
Não que sistemas de IA não estejam sendo usados para escolher os públicos e as mensagens a serem atingidos ou para mensurar o impacto dos discursos dos candidatos e de seus adversários junto ao eleitorado. Qualquer campanha de grande cidade adota, de uma forma ou de outra, plataformas desse tipo mesmo que não tenham ideia que, por trás delas, há tecnologia de inteligência artificial.
O próprio uso de ferramentas generativas de texto, como ChatGPT e similares, melhorou e muito a qualidade do conteúdo das candidaturas.
Mas a produção de deep fakes, com vídeos e fotos que copiam com perfeição imagem e voz dos adversários, o grande temor para a eleição municipal de 2024, não se comprovou como uma epidemia que colocaria em xeque a democracia.
Foram empregados aqui e ali, mas o que gerou novamente distorção da realidade foram ações tomadas por candidatos para manipular a opinião pública, utilizando mentiras e criando factoides a fim de permanecer em evidência, tudo bombado por redes sociais e aplicativos de mensagens. Ou seja, o de sempre.
O último grande ato nesse sentido antes do início da votação foi o laudo falso que Pablo Marçal usou para tentar convencer seu eleitorado de que Guilherme Boulos era usuário de cocaína. Mais do que arrancar votos do deputado, o coach mirava se consolidar como o nome mais combativo da direita para deixar Ricardo Nunes fora do segundo turno.
O laudo falso foi tosco, se tivesse sido feito por IA seria mais elaborado. Mas nem precisava. Marçal contou com o fato de que seria consumido alegremente por parte da população que deseja ver sua opinião sobre o caso (Boulos é drogado) confirmada. Muita gente não se importa se o documento é falso, desde que ele comprove seu ponto de vista.
Burrice não é separar sujeito e predicado por vírgula. Burrice também não é a falta de um conhecimento específico. O burro é aquele que vê seu preconceito violento como sabedoria e o compartilha.
Para que vídeos de última geração emulando discursos falsos se os discursos falsos que alimentam preconceitos estão firmes e fortes, com baixo custo, sem que as instituições públicas e a imprensa sejam capazes de excluir do jogo democrático quem usa a sua liberdade para poder ceifar a liberdade dos outros.
Em julho, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, disse que a "inteligência artificial só não é mais perigosa que a burrice humana" ao tratar do projeto que pretende regulamentar o uso da tecnologia no Brasil. O tema é importante, mas considerando que ainda somos aturdidos por formas arcaicas de contar mentiras, bombadas pelas redes sociais e aplicativos de mensagens, faria bem o Congresso Nacional avançar com a regulamentação das plataformas digitais. O tema avançou no Senado, mas está parado na Câmara.
Se estivesse aprovado, a burrice adotada como ferramenta de candidaturas teria dificuldade de ganhar tração e manipular eleições.
Boa votação a todo mundo. Usem a inteligência.