Leonardo Sakamoto

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Opinião

Desprezo por candidatos fica em 1º em SP, Nunes em 2º e Boulos em 3º

O total de eleitores que não escolheu nenhum dos candidatos no segundo turno das eleições em São Paulo (3,6 milhões) é maior que votação do prefeito reeleito Ricardo Nunes (3,4 milhões) e do deputado Guilherme Boulos (2,3 milhões). Sim, a maior força política que venceu na capital paulista não foi o nome do MDB, nem do PSOL, mas o Desprezo (sem partido).

Esse total é a somatória da abstenção, opção de 2.940.360 paulistanos - a maior taxa da história em um segundo turno na cidade, como havia profetizado (ou prometido) o ex-coach Pablo Marçal em sua sabatina com Boulos, com nulos (430.756) e brancos (234.317).

Ah, mas isso acontece em toda eleição, podem bradar alguns. Não, não acontece. No segundo turno da presidencial de 2022, a soma de abstenção, brancos e nulos foi 37,9 milhões. Lula teve 60,3 milhões e Bolsonaro, 58,2 milhões. Ou seja, o desprezo pelas opções ficou em terceiro lugar.

Mas na eleição municipal em São Paulo, o que aconteceu ontem não é novidade. Em 2020, pleito regido pela covid-19, 3,6 milhões não compareceram às urnas ou votaram branco ou nulo. Ou seja, o desprezo pelas opções também venceu. Em segundo, ficou Bruno Covas, com 3,2 milhões, e, em terceiro, Boulos, com 2,2 milhões. A abstenção foi de 2.769.179, nulos somaram 607.062 e em branco, 273.216.

O que explica essa diferença de comportamento entre as eleições? Não é só chuva e frio, nem o feriado do servidor público.

A campanha municipal tem dinâmica diferente da nacional, onde há mais palco para a polarização. Em 2022, foi a disputa entre a promessa de aumento do poder de compra com a discussão sobre comportamento e costumes, ou seja, o embate entre o churrasco com picanha e cerveja e o fantasma do comunismo e bobagens sobre gênero.

Além disso, em âmbito nacional, tanto a esquerda quanto a direita contavam com dois líderes de massa com energia para mobilizar as pessoas para sair de casa e votar. O que pode não acontecer, aliás, em 2026 com o autointitulado "mito" inelegível, mas também um Lula mais cansado.

Esta eleição foi intensa em São Paulo, com cadeirada, soco na cara e jogo baixo. Cansou os paulistanos e, ao final, muitos não suportavam mais falar de campanha. Além disso, o placar, praticamente definido em prol de Nunes, também pode ter levado a eleitores tanto do seu lado quanto do lado de seu adversário a desistirem de votar. E há eleitores de Marçal que preferiram nenhum dos dois.

Boulos sofreu grande campanha de difamação, ganhando a pecha de usuário de cocaína graças a Marçal no primeiro turno e, depois, de amigo de criminosos, através das propagandas de Ricardo Nunes e da absurda declaração de Tarcísio de Freitas no segundo. No sábado (26), sua rejeição marcava 52% no Datafolha, muito maior do que ela seria apenas com a venda da imagem de "invasor de casas" por ter coordenado o Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto.

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Ao mesmo tempo Nunes não é exatamente o tipo que arrasta multidões, desperta paixões ou empolga através de um projeto de cidade. Melhorou ao longo da campanha a sua capacidade de comunicação, mas o seu longo, repetitivo e autorreferente discurso-desabafo após a vitória mostra que não estávamos vendo a coroação de uma liderança. Segundo o Datafolha, 63% dos que diziam que votariam nele confessavam que faziam isso por falta de opção. Nesse quesito, o deputado do PSOL se saía melhor, com 46% afirmando que votaram nele por não ver opção melhor.

Considerando esses números, vale analisar o que levou as pessoas às urnas escolher alguém e não o que as manteve longe delas. Entre os eleitores de Nunes, pesou a força da base de vereadores e de sua rede de lideranças comunitárias, já, entre os de Boulos, há uma militância que ainda convence os eleitores a sair de casa — ainda que a esquerda tenha perdido boa parte de sua capacidade de mobilização.

Muita gente acha que a vida não vai mudar em nada com o processo eleitoral e, com o voto praticamente facultativo, é mais jogo uma justificativa de ausência feita com um clique no aplicativo do TSE. A esquerda, mais do que a direita, que continua no poder por aqui, precisa encontrar formas de engajar os eleitores se quiser virar o jogo.

Propor sonhos que mereçam ser defendidos coletivamente é o desafio, considerando, a nova configuração social paulistana e brasileira. Não emular a direita em uma discussão sobre empreendedorismo, baseada na teologia da prosperidade, mas apresentar alternativas com relação ao sentido do trabalho e à qualidade de vida.

Hoje, há uma massa que se sente ressentida por trabalhar muito, mas ter baixo poder de compra e, ainda por cima, contar com serviços públicos insuficientes em uma cidade extremamente desigual, com baixa qualidade de vida e que está sendo castigada por não se preparar para a mudança climática. Como trazer esse pessoal para a arena política, quebrando a ideia individualista do cada um por si e Deus acima de todos?

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL