Mourão se esforça para ignorar que golpe 'mal feito' continua sendo golpe
O senador e general da reserva Hamilton Mourão, ex vice-presidente de Jair Bolsonaro, se esforçou, durante entrevista ao jornal O Globo, para menosprezar a tentativa de golpe de Estado perpetrada por seu campo político, chamando-a de "conspiração Tabajara". Sob esse ponto de vista, golpistas teriam saído impunes ao longo da História por serem incompetentes em alcançar o seu objetivo. Anistiar quem fracassa em derrubar a democracia é sempre um convite para que, na tentativa seguinte, o criminoso corrija seus erros e seja bem-sucedido.
Tachar os militares, políticos e empresários (alô, financiadores do agro!) que participaram da intentona como burros ou intelectualmente limitados coloca-os em uma posição de inimputáveis. Portanto, o que fizeram vira uma grande bobagem que não merece atenção e não um crime que precisa ser denunciado e julgado.
O senador trata do planejamento do golpe como "conversas de WhatsApp", ignorando que, hoje, revoltas populares, revoluções e golpes são fermentados em mensagens com dois tiques azuis. Os serviços de mensagens são mais efetivos para planejar a derrubada de governos do que tramoias marinadas a uísque no Clube Militar.
E tentando vender um padrão de golpe das antigas, o general da reserva Hamilton Mourão vaticina que "golpe é como você viu aí na Síria, na Venezuela, na Turquia, é tropa na rua, é tiro, é bomba". Ele remete à imagem histórica de uma fila de tanques descendo de Minas Gerais até o Rio de Janeiro e tirando João Goulart do poder, como se os golpistas não tivessem se atualizado.
A conspiração bolsonarista quis criar situações em que militares interviriam em nome da restauração da paz. Tentaram organizar um levante após a derrota eleitoral, queimaram carros e ônibus em 12 de dezembro de 2022, plantaram uma bomba para explodir o aeroporto de Brasília na véspera de Natal, planejaram a morte de Lula, Alckmin e Alexandre de Moraes e realizaram o 8 de janeiro de 2023.
Ou seja, tentaram. Mas esbarraram na falta de apoio na cúpula das Forças Armadas, da comunidade internacional, de boa parte do empresariado, da sociedade civil, da imprensa.
Mourão se esforça, mas sabe que tudo aquilo não era boa coisa, tanto que faz questão de pedir para o incluírem fora dessa história de conspiração que ocorria na residência oficial do então presidente da República.
"Eu desconhecia toda e qualquer conversa neste sentido. Eu sabia que havia reuniões no Palácio da Alvorada depois do segundo turno, na época o presidente com os comandantes, o Braga Netto, mas desconheço os assuntos", disse. Questionado diretamente se havia participado disso, respondeu: "Nenhuma vez fui chamado para reunião dessa natureza".
O senador chega a chamar os conspiradores de "malucos". O problema é que às vezes, a diferença entre um maluco e um tirano é quando os planos do segundo dão certo.