Letícia Casado

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Empresários trocam 'beija mão' no Planalto por 'romaria' a Lira e Pacheco

As vitórias do empresariado nas pautas econômicas neste semestre retratam a mudança na relação de forças entre Congresso e governo. Se antes os empresários buscavam o Palácio do Planalto e os ministros na Esplanada para tratar de medidas de interesse, ao longo dos anos tem crescido a interlocução com os legisladores, sendo os atuais presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), os catalisadores desse movimento.

A principal consequência na vida real das pessoas é que a formulação de políticas públicas e o uso do dinheiro do Orçamento está cada vez mais a cargo dos 594 parlamentares e menos dependente do projeto do governo eleito.

As pautas de importância econômica estão sendo decididas via Congresso. A principal queda de braço tem sido em torno da tentativa do governo de reonerar 17 setores da economia. No fim de dezembro, o governo Lula tentou acabar com a desoneração via medida provisória. Para um grupo de parlamentares, a iniciativa foi um ponto decisivo que ditou os rumos da relação em 2024 e culminou na devolução da MP do PIS/Cofins em 11 de junho.

A crise das MP

O semestre começou e terminou com duas crises provocadas pela edição de medidas provisórias que visavam reonerar setores econômicos. A mais recente, da MP do PIS/Cofins, provocou uma grande mobilização de parlamentares e representantes das indústrias, que se reuniram em um almoço na sede da FPA (Frente Parlamentar de Apoio à Agropecuária).

Semanal, o almoço normalmente junta a bancada do agro. Mas, naquele 11 de junho, foram inúmeros políticos, integrantes de 37 Frentes Parlamentares e representantes de CNI, CNA, CNC, CNT, entre outros, diz o deputado Pedro Lupion (PP-PR), presidente da FPA. Ao fim do dia, o Congresso devolveu a MP para o governo.

"O que (o ministro da Fazenda Fernando) Haddad fez foi uma loucura. Sem conversar com ninguém, sem preparar ninguém. Não entendo qual era o cálculo político disso, se não imaginavam que haveria uma reação deste tamanho", diz Lupion.

Não lembro de uma mobilização daquele tamanho [como a do dia 11/6], a ponto de tirarem o texto. Não tinha a mínima condição de prosperar.
Pedro Lupion (PP-PR), presidente da FPA

A virada do ano já havia sido marcada pelo mau humor do Congresso com o Ministério da Fazenda por causa da tentativa de reonerar 17 setores da economia, que chegou a ser judicializado.

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"Nós recebemos aqui [no Congresso] as aflições dos municípios brasileiros, muitos deles quebrados. Recebemos setores da economia que não vão ter como pagar a folha de pagamento. Então, nosso papel é delicado, de receber essas aflições, esses questionamentos. O Congresso é a caixa de ressonância da sociedade civil, e precisamos reverberar isso", resumiu o presidente do Congresso, Rodrigo Pacheco, ao tratar em abril do imbróglio provocado pelo fim da desoneração de dezembro.

Governo perdeu em outras pautas

Neste semestre, o Congresso também atendeu uma demanda da indústria nacional e aprovou a "taxação das blusinhas" a contragosto de Lula. Em outra frente, Lira negociou a suspensão do cancelamento dos planos de saúde para determinados grupos de clientes. "A discussão nem passou pela ANS (Agência Nacional de Saúde) ou pelo ministério, foi direto para a Câmara", destaca um ministro.

É um quadro diferente do de 2023, quando o Planalto aprovou projetos importantes como a tributação de fundos exclusivos e de offshores e a regulamentação das apostas esportivas, entre outros. Tanto no ano passado como agora, o governo tem liberado o pagamento de emendas antes de votações relevantes. Neste ano, no entanto, as derrotas se estenderam às pautas de costume, como a derrubada dos vetos à saidinha e a ações que "promovam aborto e transição de gênero".

"Normalizou-se o fato de liberar emenda antes de votação. Isso não causa estupefação. As emendas parlamentares dão autonomia em um contexto de Congresso conservador e governo de esquerda com pautas diferentes", diz o cientista político Antonio Lavareda.

Mudanças na relação de poder

A coluna ouviu integrantes do governo federal, congressistas, lobistas e cientistas políticos para explicar esse cenário.

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Eles dizem que a pauta tributária do governo Lula esteve voltada para aumento da arrecadação e entrou em choque com os interesses dos grupos empresariais, que buscaram socorro junto a um Congresso conservador e pró-empresa com bancadas fortes.

Somados a esses fatos estão a ampliação de poder dos parlamentares sobre o Orçamento e o uso de instrumentos legislativos que permitem a eles impor as pautas, decidir votações sem discutir temas em comissões e de maneira remota, sem a presença dos políticos em Brasília, além de barrar obstrução em plenário.

Como consequência, a independência orçamentária dos congressistas acabou com o poder de barganha que o Planalto tinha para negociar votos ao controlar o pagamento de emendas e distribuir cargos em ministérios e autarquias.

O atropelo de regras regimentais permite um estilo (de atuação parlamentar) mais propenso à atração de lobby. Quando tem discussão em comissão é mais fácil para a sociedade acompanhar. Esse estilo fomenta essa percepção.
Bruno Carazza, professor associado da Fundação Dom Cabral e autor do livro "Dinheiro, Eleições e Poder: as engrenagens do sistema político brasileiro"

Segundo Bruno Carazza, faltam dados para afirmar se o Congresso é de fato mais pró-empresariado. De forma geral, os grandes grupos econômicos sempre tiveram atuação forte no Congresso, diz ele. No entanto, acrescenta, a resistência do PT em cortar gastos e a opção por atacar benefícios das empresas faz o lobby aflorar.

Falhas na articulação e na comunicação do governo

Outro fator que tem empurrado o empresariado para o Congresso ficou nítido nas últimas duas semanas e diz respeito à problemática comunicação do governo federal. Ao menos dez declarações públicas de Lula estimularam a alta do dólar. A instabilidade gera insegurança para os investidores.

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Também foram públicas as brigas entre o responsável pela articulação do governo, ministro Alexandre Padilha (PT), e Arthur Lira, que chegou a dizer que ele era incompetente.

Cabe à articulação política negociar com parlamentares e ministérios a distribuição de verbas que serão aplicadas em estados e municípios. Mas como os parlamentares já têm um controle maior sobre o orçamento, a caneta do ministro ficou sem tinta.

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Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

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