Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
O zen-fascismo acredita que não erra porque está do lado certo
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Talvez esta seja a primeira vez que você leu a expressão "zen-fascismo". Não é necessário explicar muito para que você compreenda o fenômeno e lembre de uma série de situações descritas perfeitamente por ele, principalmente nas redes sociais.
Eu aprendi a expressão com o humorista Claudio Manoel que, por sua vez, aprendeu com Nelson Motta. "Zen-fascismo" é um termo criado pela banda punk Dead Kennedys em 1979, para criticar o governador da Califórnia, Jerry Brown. Está na música California Über Alles.
Verdade seja dita, nem a palavra fascismo tem definição fácil. Norberto Bobbio morreu sem arriscar, defendeu que é algo relacionado à própria dimensão histórica. Seria o fascismo italiano e o fascismo alemão do início do século XX, não um conceito.
Nas redes sociais, no entanto, há quem encontre fascismo até em barraquinha de cachorro quente. Dia desses, descobri que todos os liberais são fascistas. Se disseram na internet, só pode ser verdade.
Já há inclusive os que defendem agressão física e até eliminação física de liberais. Para estes, o importante é que os liberais vivam temerosos da própria segurança.
O curioso é que, entre os democratas de esquerda, a reação é pouca e às vezes nenhuma. O mais comum é tentar contemporizar, minimizar ou até justificar comportamentos do tipo. Como comprovou o bolsonarismo, a permissividade leva os grupos à radicalização.
O deboche político punk dos Dead Kennedys virou praticamente uma profecia. O "zen-fascismo" descreve uma característica marcante do fascismo italiano, a de ver como inimigo a ser aniquilado quem não aderir 100% ao grupo e ao líder.
Todos os que não aderiram completamente ao fascismo italiano eram taxados de "socialistas", rótulo que justificava qualquer tipo de perseguição ou retaliação, inclusive a física. Liberais eram alvos preferenciais.
Em California Über Alles, Jerry Brown usaria métodos fascistas para impor ideais hippies. Escolas seriam obrigadas a colocar crianças para meditar, todos seriam obrigados a ter sempre uma cara feliz, a polícia secreta viria atrás de quem não fosse "cool" e a câmara de gás seria só de gás orgânico.
Como as intenções são nobres, vale tudo para implementar, até restrição de liberdades e coação física.
Desumanizar o adversário é o primeiro passo. Ele precisa representar o mal. Olavo de Carvalho ensinava que com inimigo político não se conversa porque você não respeita. Preconizava partir para xingamentos e ridicularização. Se necessário, violência física.
Em redes sociais, há alguns truques para reduzir e ridicularizar. Se possível, fazer apelidos pejorativos usando o nome ou sobrenome. Uma única foto ou um print são usados como provas para promover agressões em grupos. Quando os alvos reclamam, obviamente é "mimimi". Merecem o ataque. Se necessário, o agressor pede "desculpas" explicando que a culpa mesmo é de quem ele atacou.
Muitas vezes a agressão inicial é apagada das redes. Ela não precisa ficar ativa para existir, "o print é eterno". Esses prints serão circulados por todas as redes sociais convocando de forma velada a atacar o alvo.
"A maneira mais segura de preparar uma cruzada em favor de alguma boa causa é prometer às pessoas que elas terão a chance de maltratar alguém. Ser capaz de destruir com boa consciência, ser capaz de se comportar mal e chamar de 'indignação justa' é o cúmulo do luxo psicológico", disse Aldous Huxley, que morreu antes que os Dead Kennedys gravassem seu primeiro álbum.
Não parece uma forma efetiva de defender a liberdade e a democracia, mas é uma técnica que definitivamente está na moda.
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