Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Bolsonaro aguenta ser ofuscado por Michelle?
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O Brasil descobriu a primeira-dama que fala. É a primeira eleição em que temos essa figura. Nossa cultura sempre foi de discrição das primeiras-damas, mesmo as que podiam trazer ganhos políticos.
Janja já se tornou uma figura com brilho próprio, papel importante na campanha e nos eventos de Lula. Até Ciro Gomes já cedeu e deu a Giselle Bezerra protagonismo, principalmente nas redes sociais. Ela tem brilho e voz próprias.
Jair Bolsonaro resolveu colocar Michelle em campo. E foi um estouro.
Tudo foi acima do esperado: a escolha do figurino, a movimentação de palco, a forma de dialogar com o público, o reconhecimento do trabalho de aliados e subordinados, o tom de voz, a amarração entre política e religião e, acima de tudo, a humanização da figura do marido.
Michelle é um trunfo que Jair Bolsonaro não teve na última campanha. Ela dialoga muito bem com uma massa de mulheres brasileiras que carecem de interlocução política.
Temos quem dialoga com mulheres que gostam de parecer militantes. Na direita, são as "tias do zap". Na esquerda, são as empoderadas. A primeira-dama chega no imenso universo que não gosta nem de uma coisa nem de outra.
Não havia entendido por que ela só apareceu ao público agora, no final do mandato. Até que vi hoje a reação do presidente Jair Bolsonaro quando o pessoal do cercadinho elogiou Michelle.
Ele tentou se controlar, mas cuspia fogo pelos olhos. Senhoras religiosas estavam felicíssimas. Que cabelo lindo, como fala bem, que bênção de pessoa, ela ora muito? Se tivessem dado um tapa na cara do presidente da República, ele se sentiria menos ofendido.
Jair Bolsonaro se defendeu imediatamente dessa violência. Como, em pleno cercadinho, ele não era o centro das atenções? Fez questão de chamar a atenção fazendo o que sabe melhor.
Emendou ali uma saraivada de piadas velhas e sem graça, todas tentando ridicularizar e diminuir a própria mulher. Não funcionou, todo mundo no cercadinho continuou elogiando só ela.
Tivessem elogiado o cabelo dele também, talvez parasse por ali. Mas não aguentou. Lavou a própria honra despejando o mais puro suco machista do universo cultural do tiozão de churrasco.
Fala demais, gasta muito, vive do meu dinheiro, tudo dito entre risos para depois alegar que foi piada ou uma forma de carinho. Mas os olhos não mentem e os fatos também não.
Desde o início do mandato não ficou de pé um único laço com quem tinha mais brilho que o presidente. Todo mundo virou, do dia para noite, traíra e lixo.
Mandetta, ex-ministro da Saúde, brilhou e foi devidamente fritado pelo presidente. Não bastou. Outro dia, voltou ao Twitter. Na mesma hora, Jair Bolsonaro declarou no cercadinho que Mandetta foi a maior decepção da vida dele.
Sergio Moro era tido como pilar moral da candidatura. Foi mastigado e jogado fora como um chiclete.
O tamanho do rancor ficou mais evidente, no entanto, no caso de Gustavo Bebianno. Defenestrar do governo e perseguir não bastou. Ele morreu e o presidente não deu nem condolências à família.
Nenhum deles ofuscou tanto Jair Bolsonaro quanto Michelle, que é mulher e nem tem experiência política. Ela não adere ao discurso brutalizado e à falta de educação orgulhosa que marcam o jeito de ser bolsonarista. Acaba se destacando mais porque é algo diferente ali.
Resta saber como isso será resolvido pela campanha. Jair Bolsonaro precisa de Michelle e ela é um ativo importante. Por ora, pode alegar que o libelo machista era caso pensado para enganar a imprensa e colocar o nome dela em destaque.
A grande questão é o que acontece se isso escalar e se repetir. Michelle Bolsonaro será elogiada, principalmente por religiosos, porque destoa da agressividade e da chinelagem bolsonaristas. Ele aguenta não retaliar?
Somos um país machista e que releva há mais de 30 anos todas as atrocidades despejadas pela boca de Jair Bolsonaro. Mas não perdoamos candidato que diminui a própria mulher. Por muito menos, Ciro Gomes perdeu sua chance mais promissora em 2002.
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