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Madeleine Lacsko

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Um país que faz vaquinha para o goleiro Bruno elege um Gabriel Monteiro

Colunista do UOL

19/08/2022 12h02

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O curioso fenômeno do "pai" que nem pensão paga e ainda tem viabilidade social é uma medida importante do caráter que valorizamos numa sociedade.

Já o sucesso da vaquinha para ajudar o goleiro Bruno, sinceramente, escapa completamente à minha capacidade de compreensão do chiqueiro moral da humanidade.

É um deboche que o criminoso, ainda em cumprimento de sentença, jamais tenha contribuído com um centavo para a criação do próprio filho. Vale recapitular do que estamos falando.

Ele não queria que o menino existisse. Só está vivo por um golpe de sorte. Bruno e seus comparsas doparam Elisa Samudio grávida para tentar forçar um aborto contra a vontade dela, que registrou queixa na polícia.

Depois que o bebê nasceu, ele fingiu que queria conhecer a criança e se acertar com a mãe. Já sabemos como terminou.

Elisa Samudio foi assassinada a mando de Bruno e o corpo jamais foi encontrado. Há suspeitas de que tenha sido picada e servida para cachorros de um dos comparsas.

Daí Bruno tentou uma modalidade diferente de "aborto", sumir com o próprio filho. Bruninho foi entregue aos quatro meses para desconhecidos numa favela. Após o resgate pela polícia, mora com a avó.

O goleiro tentou ainda o "aborto" de simplesmente dizer que não é o pai e depois se negar a fazer exame de DNA, até quando preso. A paternidade foi declarada à revelia e só existe no papel.

Jamais o assassino teve curiosidade nem de saber do filho, segundo conta Sonia Motta, mãe de Elisa, que cria o menino. Nem as obrigações legais cumpriu, não mandou um centavo da pensão determinada pela Justiça em 12 anos.

Agora Bruno resolve falar do filho para choramingar e se vitimizar, ajudado por Ingrid, sua atual mulher. Resolveu abrir uma vaquinha online no caso de algum trouxa querer cumprir as obrigações que ele não cumpre.

Conseguiu já uma bolada, mesmo durante a crise econômica. Nessas horas, eu ressuscito minha campanha para que a frase na bandeira nacional passe a ser "enquanto houver otário, malandro não morre de fome".

Não acaba por aí. Ainda tem quem se dispõe a xingar a avó, dizendo que ela ficou com o neto só por interesse. Difícil compreender como alguém realmente acredita nisso. Mas já li tanta carta de amor para o Maníaco do Parque que não me surpreende.

Nesse caso específico, a torpeza humana se confunde com uma lenda urbana criada por homem encostado, a da mulher que cria o filho dele só por interesse.

É a transferência de uma reclamação de um círculo muito seleto de milionários para a realidade de quem paga pensão de R$ 100 e ainda diz que a mãe da criança se aproveita.

Bruno acreditava que Elisa Samudio engravidou de olho no dinheiro dele. Depois de tudo o que ele fez, é inacreditável que consiga pendurar na avó a história.

Qual seria o interesse da avó, que perdeu a filha, ficou viúva e cria o neto com dificuldade financeira, bolsa de estudos e o amor que o pai não foi capaz de dar?

É uma distorção moral que nos compromete como sociedade. Acabamos dando posições de destaque e poder a pessoas que não respeitam o mais básico sobre decência, responsabilidade e vínculo familiar.

Cansei de ver homem que chama criança - dos outros e até a própria - de P.A. (pensão alimentícia) ser levado a sério na mídia, na política e nas universidades. É um defeito moral que torna inviável a possibilidade de uma liderança saudável.

São pessoas que podem ter méritos e produzir, mas não podem mandar na vida alheia nem influenciar. Essa divisão, que sistematicamente não fazemos, sela o nosso destino.

E aí eu chego no tal do vereador cassado Gabriel Monteiro. Lembram como ele ficou famoso? Eu lembro porque disse em 2019 aos que o lançaram na política o mesmo que repito agora para vocês.

Há 3 anos, ele invadiu o enterro da menina de 8 anos Ágatha Vitória Sales Félix, mais uma das vítimas de "bala perdida" no Rio de Janeiro. Queria tomar satisfação dos pais e familiares que falaram mal da polícia - ele era policial.

Quem faz isso no enterro do filho dos outros não pode ter nem liderança nem posição de poder. Deram a ele as duas coisas. Dão a tantos outros sistematicamente porque falar em retidão moral virou tabu.

Estamos comendo o banquete de consequências do pragmatismo que tira da conta a qualidade humana.

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