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Madeleine Lacsko

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Ataque de Michelle a Marquezine desnuda força suprapartidária da misoginia

Colunista do UOL

27/09/2022 12h07

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Nossa até agora pacífica primeira-dama, Michelle Bolsonaro, resolveu abrir o dia chamando a artista declaradamente lulista Bruna Marquezine de "feia e vulgar".

O look para o desfile da Burberry era realmente um apelo à plebe, pouca sofisticação e muito pop. Para as maldosas, poderia até ser vulgar mesmo, mostra demais.

Chamar Bruna Marquezine de feia mostra que o destino é implacável com todos nós aos 40 anos. Michelle Bolsonaro precisa de oftalmologista urgentemente.

Pode parecer algo menor, mas não é. Poucas coisas têm mais força de aglutinação política do que a liberação do ataque misógino. A ação gratuita contra a atriz teve esse condão.

Nesses tempos extremamente violentos e de esgarçamento do tecido social, é legítimo argumentar que homens também são atacados. O tipo de ataque, no entanto, é diferente. Há vários estudos a respeito, mas tomo como base a pesquisa feita em 2020 em parceria entre a Unesco e o International Center for Journalists (ICFJ) especificamente sobre as agressões online.

Ataques contra homens variam de acordo com o tema e geralmente são relacionados à informação ou opinião que divulgam. Quem não gosta ou é prejudicado tende a xingar e perseguir. Há até casos de mortes, principalmente em ditaduras e ambientes de criminalidade organizada.

No caso de mulheres, os ataques seguem sempre o mesmo padrão independentemente do assunto. Começam questionando o intelecto ou aparência e derivam para a sexualização até que começam ameaças veladas e ameaças reais, frequentemente estendidas para a família. Segundo o levantamento, em 20% dos casos houve consequências na vida real dos ataques online contra mulheres.

A primeira-dama tem todo o direito de não gostar da roupa de alguém. E haverá argumento de que isso nada tem a ver com campanha, é apenas uma manifestação de quem prefere roupas mais clássicas ou com mais decoro. Argumento cínico. Não há críticas parecidas a roupas de Andressa Urach ou Antônia Fontenelle, que são bolsonaristas e, digamos, mais artísticas que a primeira-dama na forma de vestir.

A reação ao ataque de Michelle Bolsonaro também descambou rapidinho para a misoginia, que é suprapartidária e está em alta na política brasileira.

Começou até indo bem, com gente falando que nenhuma roupa do mundo é um problema tão grande quanto escândalos envolvendo dinheiro vivo na família Bolsonaro. Mas descambou rapidinho.

A essa altura, Michelle já ganhou o apelido "Andressa Urach da Shopee" por parte de influencers importantes e democráticos. Isso porque fisicamente é parecida com a artista e seria uma espécie de cópia.

Voltamos à fórmula de não criticar a mulher pelo tema, mas reduzir ao um festival de xingar de burra ou falar sobre aparência física. É o que Michelle fez, mas não é uma prática apenas do grupo político dela, já que recebeu na mesma dose.

Bolsonaristas entenderam o ataque de Michelle como um passe livre para degradar Bruna Marquezine de toda forma, lembrar de seus relacionamentos passados, compartilhar fotos antigas e montagens, aquela baixaria que a gente já conhece.

Mas essa gente fina, elegante e sincera que pretende combater o ódio está fazendo igualzinho com Michelle Bolsonaro agora. Idealizam sua vida sexual, falam de sua aparência física, xingam de forma gratuita, simplificam intelectualmente.

O mais curioso é que sobram bons argumentos para condenar a atitude de Michelle Bolsonaro. Foi uma agressão gratuita, misógina, irresponsável e que, no final das contas, fala mal do Brasil. Ela é primeira-dama e mirou em uma atriz brasileira que nos representa no exterior. Além de tudo, não é uma atitude cristã.

Nada disso, no entanto, faz tanto sucesso quanto o passe livre para falar da aparência física e da sexualidade da primeira-dama. Tudo em nome do bem e do combate ao ódio, claro.

Nós, mulheres, ocupamos há poucas décadas espaços que foram exclusivamente masculinos durante milênios. O ressentimento de quem perdeu espaço é hoje um ativo político valioso e suprapartidário.