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Madeleine Lacsko

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Campanha pelo voto útil em Lula é a maior burrada eleitoral que já vimos

Colunista do UOL

03/10/2022 08h10

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Toda a campanha se passou com a ideia de que Lula estava muito adiante de Bolsonaro. Fruto do trabalho de institutos de pesquisa sérios, que explicaram à exaustão a metodologia que usam. Ocorre que não acertaram.

Os institutos de pesquisa precisarão recuperar a própria imagem. Além da distância inflada entre Lula e Bolsonaro, houve medições muito discrepantes, como os governos de São Paulo e do Rio Grande do Sul. Talvez revejam metodologias.

Foi a bordo desses índices que a campanha de Lula teve a ideia de fazer um esforço sobrenatural pelo voto útil no seu candidato em primeiro turno. Pode ter sido a maior burrada da história das eleições brasileiras.

Primeiro porque os números não eram tão certos quanto se pensava. Depois, porque a estratégia utilizada queimou cartuchos e pontes demais ,que poderiam ter ficado para uma força na reta final do segundo turno.

Nunca se viu uma união tão grande em torno de uma candidatura. No campo econômico, vamos de Henrique Meirelles a Guilherme Boulos. No campo político, vamos do PSOL ao PMDB arcaico de Renan Calheiros. Artistas, economistas, políticos ilustres, ex-ministros do STF e até jornalistas fizeram questão de declarar voto em Lula.

Esse andar de cima da sociedade perdeu completamente a conexão com o povo. Lembro de um vídeo de artistas para virar voto, uma coisa chata, longa, cheia de gente de quem o povo tem birra. Um amigo lulista reclamou: "se eu mando isso no grupo da família, viro uns 3 votos para o Bolsonaro".

Apesar de tudo e de si mesmo, Jair Bolsonaro tem o voto de mais de 50 milhões de brasileiros. Oferece a eles algo que o campo que se vê como democrático e virtuoso não oferece.

Os últimos esforços da campanha pelo voto útil focaram menos em conseguir votos e mais em demolir a reputação de Ciro Gomes, dizer que ele havia se aproximado da direita e que todos seus eleitores eram linhas auxiliares do fascismo.

O petismo segue o mantra "o líder ou nada". Como bem definiu a cientista social Heloisa Pait, professora da Unesp, os seguidores mais fiéis "têm uma 'missão civilizatória', que inclui colonizar todo o campo progressista como se fosse uma monocultura, tacando agrotóxico em qualquer outra coisa que cresça ou respire". Só que o resultado eleitoral não veio.

Pior, a campanha do voto útil rendeu votos, só que para Jair Bolsonaro. Ciro Gomes e Simone Tebet são especialmente atrativos para bolsonaristas arrependidos. E isso não falta no Brasil, o governo do presidente é o principal cabo eleitoral de Lula.

Diante da ideia de que Lula ganharia em primeiro turno, o progressismo gourmet se meteu a taxar de deformidade moral todo ser humano que não declare com todas as letras que adora o grande líder.

Foi tentar apagar com gasolina a chama do antipetismo. O voto de protesto em Jair Bolsonaro, para evitar Lula no primeiro turno, acabou virando uma realidade. O bolsonarismo se consolidou nos Estados e ganha as casas legislativas de todo o país.

Lula vai precisar tirar muito coelho da cartola para aportar à sua candidatura algo que já não tenha sido feito no primeiro turno. E ainda periga perder o amor eterno do mercado financeiro, que pode preferir imitar o centrão e manter um pé em cada canoa.

O PT sufocou todas as lideranças modernas e inovadoras que surgiram na esquerda em nome do projeto personalista de Lula. Está pagando o preço. Ele é uma liderança cansada, que não oferece soluções novas.

Os adoradores mais fervorosos são da bancada Samambaia & Chão de Taco, o povo que aplaude propaganda inclusiva de banco. A esquerda que a direita gosta, como definiu Darcy Ribeiro. Falam como Fidel mas gostam do mundo segundo Rockefeller.

Nossos Che Guevara de apartamento já começaram o dia perguntando se Ciro está em Paris, xingando mulher que votou em Tebet porque permitiu o segundo turno e chamando crente de fascista. Vão conseguir votos para Lula? Não, mas não se importam.

Na era da economia da atenção, há duas prioridades: não parecer burro e parecer moralmente superior. O resultado das eleições e a democracia pouco importam. Sempre será possível colocar a culpa nos outros.