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Depois de perder para o próprio radicalismo, Bolsonaro dobra a meta
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Estranhamente, ninguém está escandalizado com o espetáculo inusitado em que o presidente da República derrotado nas urnas vira a noite sem dizer nada sobre as eleições. É Jair Bolsonaro, ele é assim mesmo.
Tem gente criticando sim, mas já internalizamos esse comportamento como o normal para o mandatário. Há críticas mas não há surpresa.
Quando José Serra perdeu para Dilma Rousseff em 2010, demorou algumas horas para dar as caras. Foi um tremendo mal estar, um falatório generalizado. Não é a demora que se esperava de alguém que se propôs a presidir um país.
Serra não era presidente da República. Jair Bolsonaro esqueceu que é presidente de todos os brasileiros. Não é a Lula que ele devia um pronunciamento imediato, é ao povo que o elegeu e que quase o elegeu de novo.
Para Lula, o pronunciamento pouco importa. Seria obviamente mais confortável saber que as portas estão abertas para uma transição. Fora isso, quem reconhece a vitória efetivamente e conduz a troca de presidentes é o Tribunal Superior Eleitoral, não o ocupante do Planalto.
Mais do que ir dormir sem se dirigir aos cidadãos do país que preside, Jair Bolsonaro parece ter dobrado a aposta. As manifestações de caminhoneiros travando rodovias são escandalosas. O silêncio do presidente é eloquente nesse caso.
Ele tem influência suficiente sobre essas lideranças para convencer a arrefecer o movimento. Não faz porque não quer. Assim, dobra a aposta da radicalização que o removeu da cadeira.
Lula ganhou a eleição nos pênaltis e com uma coalizão de uma amplitude que nós nunca vimos. Apesar de todos os absurdos que fez e falou durante 4 anos, das denúncias incessantes da imprensa, das declarações de votos dos artistas, do apoio de economistas e ministros do STF e de até jornalista declarar voto, tomou uma canseira de Jair Bolsonaro. Não conseguiu abrir nem dois pontos percentuais de diferença na disputa.
No imaginário de muita gente - admito que até no meu - Lula teria sido presidente se Moro não tivesse decretado sua prisão. Esse é um mito que caiu ontem. Se não derrotou um Bolsonaro que mostrou exatamente do que é capaz, teria derrotado aquele que era só promessa? Já tenho dúvidas.
Como populistas que são, Lula e Bolsonaro têm seus adoradores. São uma minoria de eleitores. Brasileiro adulto que acredita mesmo em político é exceção, não regra.
A maioria dos eleitores escolheu o menos pior, o que menos incomoda. Jair Bolsonaro sequestrou um país para seu universo interno de distimia infinita. Essa é a diferença fundamental entre ele e Lula. O presidente eleito atua como político, não obriga cidadãos e instituições a serem satélites de seus humores.
Roberto Jefferson e Carla Zambelli mostraram ao Brasil onde chega esse universo disfuncional das instituições capturadas pela distimia do presidente. É a aversão a esse mau humor e violência constantes que tirou Bolsonaro do poder. Muitos escolheram o adulto na sala, mesmo não gostando do adulto.
O bolsonarismo saiu maior do que era em 2018 e quase do mesmo tamanho da soma de Lula e de todo mundo que se uniu a ele. Veio para ficar. É um fenômeno político e social.
Lula disse que seu maior desafio é a pacificação do país. Também disse que derrotou o "fascismo", o que além de precipitado não parece ajudar a pacificar coisa nenhuma. O desafio mais urgente parece ser outro, o de fazer a transição com Bolsonaro dobrando a meta do radicalismo.
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