Topo

Madeleine Lacsko

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Depois de perder para o próprio radicalismo, Bolsonaro dobra a meta

O presidente do Jair Bolsonaro chega para votar no Rio -  MAURO PIMENTEL / AFP)
O presidente do Jair Bolsonaro chega para votar no Rio Imagem: MAURO PIMENTEL / AFP)

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido

Estranhamente, ninguém está escandalizado com o espetáculo inusitado em que o presidente da República derrotado nas urnas vira a noite sem dizer nada sobre as eleições. É Jair Bolsonaro, ele é assim mesmo.

Tem gente criticando sim, mas já internalizamos esse comportamento como o normal para o mandatário. Há críticas mas não há surpresa.

Quando José Serra perdeu para Dilma Rousseff em 2010, demorou algumas horas para dar as caras. Foi um tremendo mal estar, um falatório generalizado. Não é a demora que se esperava de alguém que se propôs a presidir um país.

Serra não era presidente da República. Jair Bolsonaro esqueceu que é presidente de todos os brasileiros. Não é a Lula que ele devia um pronunciamento imediato, é ao povo que o elegeu e que quase o elegeu de novo.

Para Lula, o pronunciamento pouco importa. Seria obviamente mais confortável saber que as portas estão abertas para uma transição. Fora isso, quem reconhece a vitória efetivamente e conduz a troca de presidentes é o Tribunal Superior Eleitoral, não o ocupante do Planalto.

Mais do que ir dormir sem se dirigir aos cidadãos do país que preside, Jair Bolsonaro parece ter dobrado a aposta. As manifestações de caminhoneiros travando rodovias são escandalosas. O silêncio do presidente é eloquente nesse caso.

Ele tem influência suficiente sobre essas lideranças para convencer a arrefecer o movimento. Não faz porque não quer. Assim, dobra a aposta da radicalização que o removeu da cadeira.

Lula ganhou a eleição nos pênaltis e com uma coalizão de uma amplitude que nós nunca vimos. Apesar de todos os absurdos que fez e falou durante 4 anos, das denúncias incessantes da imprensa, das declarações de votos dos artistas, do apoio de economistas e ministros do STF e de até jornalista declarar voto, tomou uma canseira de Jair Bolsonaro. Não conseguiu abrir nem dois pontos percentuais de diferença na disputa.

No imaginário de muita gente - admito que até no meu - Lula teria sido presidente se Moro não tivesse decretado sua prisão. Esse é um mito que caiu ontem. Se não derrotou um Bolsonaro que mostrou exatamente do que é capaz, teria derrotado aquele que era só promessa? Já tenho dúvidas.

Como populistas que são, Lula e Bolsonaro têm seus adoradores. São uma minoria de eleitores. Brasileiro adulto que acredita mesmo em político é exceção, não regra.

A maioria dos eleitores escolheu o menos pior, o que menos incomoda. Jair Bolsonaro sequestrou um país para seu universo interno de distimia infinita. Essa é a diferença fundamental entre ele e Lula. O presidente eleito atua como político, não obriga cidadãos e instituições a serem satélites de seus humores.

Roberto Jefferson e Carla Zambelli mostraram ao Brasil onde chega esse universo disfuncional das instituições capturadas pela distimia do presidente. É a aversão a esse mau humor e violência constantes que tirou Bolsonaro do poder. Muitos escolheram o adulto na sala, mesmo não gostando do adulto.

O bolsonarismo saiu maior do que era em 2018 e quase do mesmo tamanho da soma de Lula e de todo mundo que se uniu a ele. Veio para ficar. É um fenômeno político e social.

Lula disse que seu maior desafio é a pacificação do país. Também disse que derrotou o "fascismo", o que além de precipitado não parece ajudar a pacificar coisa nenhuma. O desafio mais urgente parece ser outro, o de fazer a transição com Bolsonaro dobrando a meta do radicalismo.

Errata: este conteúdo foi atualizado
O desempenho de Lula na eleição não foi nem dois pontos percentuais acima do de Bolsonaro. A informação foi corrigida

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL