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Madeleine Lacsko

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Curso de estelionato que acabou em sequestro é o mais puro suco de Brasil

Golpe na internet, celular, hacker, segurança online - Getty Images
Golpe na internet, celular, hacker, segurança online Imagem: Getty Images

Colunista do UOL

15/02/2023 18h55

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Que tipo de ficção irá competir com a nossa realidade? Um caso revelado pelo programa Brasil Urgente, da TV Bandeirantes, é o mais puro suco de Brasil. Um curso de estelionato acabou numa vingança das alunas contra os professores que resultou em participação da milícia e intervenção da Polícia Civil.

Seria cômico se não fosse trágico. É algo revelador do espírito da sociedade brasileira que, na arena política, clama pelo fim da corrupção e por honestidade dos nossos representantes eleitos.

Difícil encontrar quem não conheça alguém que caiu nos golpes financeiros típicos da era digital. Quadrilhas que convencem vítimas a fazer pix, clonagem de cartões, boletos falsos, ligações supostamente feitas por bancos, a variedade é gigantesca.

De um lado, autoridades tentam regrar melhor esse universo e investigar as quadrilhas. Sabidamente, algumas têm integrantes que agem de dentro do sistema prisional. É um desafio real para o qual ainda não temos soluções.

As instituições financeiras aprimoram de forma cotidiana seus sistemas de segurança, tentam avisar os clientes dos novos golpes, acabam lidando na Justiça com prejuízos de algumas das vítimas. Parecem enxugar gelo.

Enquanto isso, do outro lado, os criminosos perdem completamente a vergonha. Ano passado, ficaram famosos na imprensa os que ofereciam cursos de golpe em grupos do Telegram. A novidade agora é a modalidade presencial, que resultou numa confusão digna de ficção.

Seria possível um empreendimento do tipo numa sociedade que realmente pusesse freios sociais aos golpistas? Difícil saber. Mas o fato é que convivemos com a glorificação da esperteza, inclusive criminosa, e com o vício de culpabilizar as vítimas.

O caso do Rio de Janeiro chegou à imprensa porque familiares de três homens procuraram a polícia pedindo ajuda. Eles estavam em cárcere privado. Havia vídeos dos três sendo torturados e pedindo um pix do resgate.

Um deles implorava que fizessem um pix "em nome de Jesus" ou poderiam ser mortos. São cenas impressionantes.

A Polícia Civil chegou até o cativeiro. Não era escondido numa periferia qualquer, como nosso imaginário pode nos induzir a pensar. Era um apartamento bonito, no bairro de Copacabana, um dos mais cobiçados e ricos do país.

Os sequestradores eram milicianos. Eles participavam de uma espécie de vingança movida por mulheres que não moravam no Rio de Janeiro mas estavam na cidade fazendo um curso. Curso de estelionato. As vítimas do sequestro eram os professores delas.

Durante o curso, as alunas aplicaram golpes em várias vítimas e tiveram sucesso no empreendiamento. Amealharam R$ 300 mil com as técnicas ensinadas no curso de estelionato. Havia até uma cartilha ensinando golpes.

Aparentemente, os "professores" não ensinavam tudo. Eles próprios aplicaram um golpe nas alunas e ficaram com os R$ 300 mil do produto do crime. Elas não se conformaram e resolveram agir.

Decidiram contratar a milícia para sequestrar os "professores" e pedir um resgate no valor que eles tomaram delas. Os homens tiveram as orelhas e dedos mutilados. Também tinham cortes nos braços e nas costas. Foram amarrados sentados a cadeiras.

Todo mundo foi preso. Os milicianos foram indiciados por cárcere privado e tortura. Os estelionatários, tanto alunos como professores, foram indiciados por associação criminosa e uso de documento falso. A polícia desconfia que eles tenham agido em todo o Brasil.

Aposto que, se perguntarmos aos brasileiros, a gigantesca maioria vai condenar o empreendimento criminoso. Não é algo menor ou engraçado, mas poderá ser tratado assim.

Parecemos anestesiados. Não há uma reação que leve em conta a gravidade de um empreendimento criminoso que chegou ao limite do deboche com a lei, as instituições e as regras mais básicas de convivência social. A pena talvez não desencoraje os que não dão a mínima para regras e leis.

É desse caldo cultural que saem nossos representantes políticos. Estamos certos em apontar desvios e exigir honestidade. Mas não teremos resultados sem uma mudança social e moral.