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Madeleine Lacsko

OPINIÃO

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Daniel Alves e a péssima fama do Brasil na punição de crimes sexuais

Daniel Alves - Jose Breton/Pics Action/NurPhoto via Getty Images
Daniel Alves Imagem: Jose Breton/Pics Action/NurPhoto via Getty Images

Colunista do UOL

21/02/2023 20h36

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A decisão tomada pela Justiça espanhola no caso Daniel Alves mostra que definitivamente o Brasil pegou a fama de não levar a sério crimes sexuais. E isso só aconteceu porque não levamos mesmo.

O caso do jogador Robinho foi citado no pedido da acusação para manter Daniel Alves na cadeia. Condenado a nove anos de cadeia por estupro, ele vive livre no Brasil. Perdeu o contrato com o Santos e foi forçado a encerrar a carreira. Mas jogar futevôlei em Santos é bem diferente da cadeia, somos forçados a reconhecer.

Daniel Alves já coleciona uma série de versões diferentes sobre o mesmo caso. A defesa ofereceu que ele entregasse o passaporte e usasse tornozeleira eletrônica para poder responder o processo em prisão domiciliar. Parece reduzir bastante o risco de fuga, mas não foi aceito.

O Brasil não extradita seus cidadãos em nenhuma hipótese, como a maioria dos países. Ocorre que também não pune os condenados no exterior por fatos que também são crimes em seu território.

Agora há uma tentativa de garantir punição no caso Robinho, que é recente. As tratativas do governo italiano com o nosso estão apenas começando. Não sabemos quando, como nem se isso resultará em punição.

No caso de Daniel Alves, a Espanha faz questão de evitar a todo custo que ele possa deixar o país. Se há justiça, será feita lá, sendo ele culpado ou inocente.

O jogador é o primeiro réu famoso após a criação da "Lei Manada" de outubro do ano passado. O projeto foi feito devido à comoção pública diante da fragilidade da punição de abusadores em casas noturnas.

Uma moca de 18 anos foi estuprada por cinco criminosos. Eles se organizavam para os estupros por meio de um grupo de WhatsApp chamado "La Manada", referência à forma como atacavam suas vítimas.

Naquela época, a medida do consentimento do estupro na Espanha era se a vítima disse não. A moça havia usado substâncias e não tinha nem condições de manifestar nada.

Os criminosos foram condenados então por abuso sexual e não por estupro, o que diminuiu muito a pena e causou comoção na Espanha. Daniel Alves será julgado pela nova lei em que o consentimento é medido pela manifestação inequívoca de aceitação do ato sexual.

O fato é que nossa imagem como país que relativiza crimes sexuais já está ficando famosa. Falta a gente se olhar no espelho e promover uma mudança cultural importante.

Os crimes sexuais, se não forem absolutamente brutais ou sangrentos, tendem a ser romantizados. O estuprador, assediador ou abusador é visto como alguém que tinha um desejo incontrolável pela vítima.

Crimes sexuais não são expressão de desejo sexual, mas de desejo de destruição. A conquista sexual ou amorosa tem como base a reciprocidade. O crime sexual tem como base a posse a, muitas vezes, o prazer do criminoso aumenta na exata medida do sofrimento da vítima.

No futebol, além de Robinho e Daniel Alves, temos os casos do técnico Cuca e do dirigente da CBF Rogério Caboclo.

Não é um mal apenas do futebol. Basta relembrar quantos anos e denúncias foram necessárias nos casos da Caixa Econômica e da família Klein.

Nossa cultura nos leva a crer que abusadores sexuais são muiherengos, galanteadores ou apaixonados incorrigíveis que cometeram um erro. Eles são perversos.

Há quem cometa crimes porque quer o produto deles, como ladrões, traficantes, sequestradores. Estupradores são piores. Como os torturadores, eles sentem prazer com o crime em si e com o sofrimento da vítima. São vistos como mais perigosos até pelos criminosos.

Passou da hora de assumir com seriedade a necessidade dessa mudança cultural. Crimes sexuais não têm nada a ver com desejo, são crimes de ódio e de deleite com o sofrimento da vítima. Talvez quando tenhamos consciência disso, nossa leniência com estupradores deixe de ser uma fama mundial