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Madeleine Lacsko

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

A quinta série está dominando a política nacional

janones e nikolas - Reprodução
janones e nikolas Imagem: Reprodução

Colunista do UOL

30/03/2023 17h05

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Devemos ou não dar atenção a brigas como dos ex-amigos Nikolas Ferreira e André Janones? Sugiro que paremos de nos torturar e patrulhar com essa questão para evoluir o debate. Vivemos a economia da atenção, é impossível que eles não atraiam atenção. O ponto é por que convertemos essa popularidade em autoridade.

Uma das razões é a ilusão de que esse tipo de performance é anulada se o oposto político fizer uma ação exatamente igual. Esses métodos acabam potencializados, como temos visto de forma consistente na política.

E quais seriam exatamente essas ações? Aquelas típicas de moleque de quinta série, como tentar chocar pelo absurdo e fazer bullying, juntar uma turma para atacar uma pessoa só, desumanizando o alvo.

Nas relações presenciais, é muito claro para nós quando alguém usa esses métodos, que não são socialmente aceitáveis porque significam a implosão do processo civilizatório. Temos ainda dificuldade de perceber quando isso acontece no ambiente virtual, mediado pelos algoritmos da economia da atenção.

Nikolas Ferreira se tornou o deputado mais votado do Brasil usando ações chocantes e bullying. Ele ganha adeptos primeiro entre quem tem prazer com essas ações e concorda com o massacre dos que defendem determinadas causas. Ocorre que também ganha adeptos entre quem vê seus ideais massacrados pelo mesmo método. É uma aposta errada de que esse tipo de ação fará o outro lado cessar.

Ontem passamos o dia numa discussão que qualquer mãe ou professora de quinta série teriam tirado de letra. Um deputado tem ou não o direito de apelidar o outro de Chupetinha?

Em vez de resolver o caso como adultos, apontando que ali é o Congresso Nacional e não o bullying da quinta série, passamos a discutir a origem do apelido e se ele é ou não homofóbico.

O deputado André Janones argumenta que o apelido não tem origem homofóbica, Chupetinha de miliciano seria o caçulinha da milícia. Efetivamente começou assim, numa ação de bullying promovida pelo influencer Felipe Neto.

Ocorre que, em seguida, arrumaram um filme pornô gay de um ator parecido com Nikolas Ferreira. Isso se misturou com o apelido e virou frisson nas redes sociais.

O então candidato a deputado aproveitou para se vitimizar, posando de superior, como se não utilizasse dos mesmos métodos para ficar famoso. "De tão irrelevantes, André Janones e Patricia Lélis necessitam de mentiras e manipulação pra serem notados. Em tempos normais, não perderia meu tempo, mas estamos no meio de uma eleição e sei que Deus me entregou uma influência preciosa que pode mudar a história do Brasil", postou no Twitter.

André Janones respondeu em 11 de outubro: "Isso aí, abre a boca. Você já aguentou muita p*rra calado. Força!". Fez diversos outros comentários no mesmo sentido e agora tenta reescrever o que está público nas redes sociais. É coisa de moleque e deve ser tratada assim, não com a seriedade que tratamos.

O influencer Felipe Neto, agora integrante do órgão dedicado a combater discurso de ódio, postou: "Ver o Brasil inteiro chamando esse mlq de chupetinha é um dos maiores orgulhos q tenho na vida".

Para além da discussão sobre homofobia, estamos diante de bullying, legitimado porque o alvo é, supostamente, alguém que "merece" esse tratamento. Chegamos ao ridículo de apresentar à Unesco como porta-voz do combate ao discurso de ódio alguém que se orgulha de apelidar outra pessoa de Chupetinha. Tem como dar certo?

Sempre que o ultraje ou o bullying vêm da boca de um político, a tropa dos tradutores de político começa a correria do "veja bem". Não era sério, era brincadeira ou polêmica. Se um humorista fala a mesma coisa em um show de comédia, automaticamente se leva a sério e as autoridades entram em ação.

Talvez seja a hora de exigir dos nossos políticos o mesmo nível de seriedade que eles exigem dos humoristas. Podemos conviver tranquilamente com a quinta série, só não podemos permitir que ela
mande nos adultos.