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Madeleine Lacsko

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Cadê a lista dos móveis sumidos da presidência?

Janja e Michelle Bolsonaro - Reprodução e Isac Nóbrega/PR
Janja e Michelle Bolsonaro Imagem: Reprodução e Isac Nóbrega/PR

Colunista do UOL

17/04/2023 18h10

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Parece que o Brasil não tem problemas. Está bombando nas redes e na imprensa uma narrativa de rinha entre primeiras-damas em torno dos móveis da presidência da República. Caso ainda nos importássemos com a realidade, seria muito simples de resolver. A briga, no entanto, é muito mais interessante.

Primeiro surgiu a informação, via Secretaria de Comunicação da Presidência, de que havia 256 móveis sumidos. Até hoje não sabemos quais. Posteriormente, o mesmo órgão informou que há 83 móveis faltando, os outros foram encontrados.

Qual a diferença entre a primeira lista e a de agora? Onde estava mais de uma centena de móveis encontrados? Não sabemos. Apenas penduramos a questão na conta das primeiras-damas.

Esse ponto é especialmente curioso porque não passa de narrativa. Primeiras-damas não são nem parte do governo oficialmente. É devido ao machismo arraigado na sociedade que se torna possível fazer uma narrativa política em torno do tema.

Começou com a atual primeira-dama, Janja, dando uma entrevista mostrando o estado em que recebeu o Alvorada e sua mobília. Isso justificou que ela e o presidente Lula ficassem os primeiros tempos de governo hospedados em um hotel cinco estrelas.

É importante frisar que Janja jamais apresentou uma conta de móveis sumidos ou coisa do tipo. Também jamais disse com todas as letras que é responsável por isso, até porque não é. Existe uma comissão curadora dos móveis, tocada por funcionários públicos.

Em seguida, surge a informação do sumiço, agora sim vocalizada por um órgão de governo, a Secom. Logo depois, vem a informação sobre os novos móveis da presidência, obtida pela Folha por meio da Lei de Acesso à Informação.
Na lista estão móveis da italiana Natuzzi, que também tem sede na Bahia, com valor estratosférico para a maioria dos brasileiros. Uma cama de R$ 42.430 e um sofá de R$ 65.140. A compra é colocada na conta de Janja, dentro da narrativa que só se torna possível no imaginário de um país machista.

Em seguida surge a informação da colunista do UOL Carla Araújo de que Janja queria comprar uma mesa de R$ 200 mil, ação que foi barrada pelo ministro-chefe da Casa Civil, Rui Costa. Outras compras teriam sido barradas também.

Poucas histórias se encaixam mais na tradicional narrativa machista da mulher gastadeira, seduzida pelo luxo, que causa problemas ao marido. As antigas piadas da mulher que usa o cartão de crédito custeado pelo marido estão mais vivas do que nunca.

Janja pode ambicionar uma atuação política mas, no momento, não tem, pelo menos formalmente. É a mulher do homem que foi eleito para a presidência, desfrutando do poder concedido por ele, na medida e enquanto ele desejar. Michelle Bolsonaro está em outro momento, acaba de iniciar sua vida política e tem o cargo de presidente do PL Mulher.

Em um vídeo que viralizou e tomou a imprensa, Michelle diz que não há móveis sumidos e que levou para o Planalto os móveis da casa que tinha no Rio de Janeiro. Apimentou sugerindo uma CPI dos móveis do planalto e dizendo que Janja e Lula gostam de viver no luxo.

E se ela estiver falando a verdade? É muito fácil saber, basta reatar os laços com a realidade. Isso trará o incômodo de jogar água na fervura da rinha de primeiras-damas. Elas são responsáveis pelos móveis apenas nas nossas fantasias mais machistas, que as reduz a donas-de-casa dos anos 1950. Só podem ser elas que cuidam da decoração, certo? A casa é delas, elas cuidam dos móveis. Os maridos, que concorreram à presidência e se elegeram, não teriam nada com isso, já que é assunto de mulherzinha.

No governo não é assim. Os móveis da presidência estão na carga de patrimônio de algum funcionário público, fazem parte de um acervo oficial, catalogado e rastreado.

Pode haver algum equívoco de informação sobre a localização exata deles, já que há vários depósitos oficiais. Não há equívoco possível sobre a responsabilidade. Cada um desses móveis está na carga de patrimônio de algum funcionário público. Para que ele vá da presidência ao depósito, por exemplo, é necessário que o funcionário da presidência repasse a carga de patrimônio ao funcionário do depósito, que só aceita após conferência.

São sistemas eletrônicos. Seria fácil dar transparência à lista de móveis "sumidos" e à lista de quem ordenou e autorizou a compra dos móveis de luxo supostamente requisitados por Janja. Infelizmente, a realidade é muito menos empolgante que rivalizar duas mulheres de presidente.