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Madeleine Lacsko

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Passar vergonha no exterior virou uma instituição política brasileira

Os presidentes do Brasil, Lula, e de Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa, se cumprimentam, observados pela primeira-dama Janja - PATRICIA DE MELO MOREIRA/AFP
Os presidentes do Brasil, Lula, e de Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa, se cumprimentam, observados pela primeira-dama Janja Imagem: PATRICIA DE MELO MOREIRA/AFP

Colunista do UOL

24/04/2023 18h23

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Eu já não sei mais se são as redes sociais ou se realmente virou um vício dos governantes brasileiros passar vergonha no exterior. Lula já chegou a Portugal com problemas devido às declarações sobre a invasão da Ucrânia. Talvez tenha sido a mais rápida desidratação da boa vontade internacional com um governante brasileiro.

Comecemos com nossa primeira-dama, Janja. Ela já havia anunciado aos quatro ventos que não seria discreta. Ocorre que anunciou exaustivamente que seria empoderada. E agora vira manchete bancando a dona-de-casa dos anos 1950.

Flagrada numa loja de luxo, montou toda uma narrativa de redes sociais da compra de uma gravata para o marido. Somente um país machista como o nosso poderia acreditar que isso é função dela. A presidência tem cerimonial e staff capazes de preparar o presidente da República para toda e qualquer ocasião.

Na geração da minha mãe, antes da virada do século, já era um pouco vergonhoso a mulher cuidar das roupas do marido e ele aceitar feito uma criancinha. Isso foi tratado como natural até a geração da minha avó, em que a mulher era uma espécie de governanta e o homem mal sabia fazer um chá sozinho.

Não entendi por que passar essa imagem de deslumbramento e virar notícia justo num evento desses. Era só ter escolhido o item e mandado um funcionário buscar que não haveria noticiário sobre esse evento pitoresco.

Voltemos agora ao presidente, atropelado pela história da gravata. O apoio da comunidade internacional a Lula foi maciço. Ele era visto, durante as eleições, como fiador da continuidade da democracia brasileira. Era o contraponto ao que o exterior conheceu de Jair Bolsonaro, a verborragia violenta e cruel.

Antes da viagem, uma das principais publicações políticas da Europa, o Politico, dava como manchete: "Lula goes from hero to weirdo". Lula vai de herói a esquisito. Não se esperava dele, fiador da democracia, os posicionamentos que teve nas últimas semanas diante de Rússia e China.

As paquitas de político brasileiras se contentam com qualquer explicação. É por isso que luloafetivos influentes inventam versões mirabolantes segundo as quais Rússia e China têm algo a ver com manutenção da democracia. Sempre haverá um otário para acreditar, repetir, dar like e compartilhar.

Infelizmente para nós, na Europa é mais difícil. Nosso colonizador, Portugal, que está acostumado a lidar com o apoio à Rússia por outros países que colonizou no continente africano. Mas isso não era esperado do Brasil. Principalmente, isso não era esperado de Lula. Ele era o contraponto à aproximação com Putin e seu discurso religioso-político coalhado de intolerância contra minorias.

Lula chegou a dizer textualmente sobre a invasão e genocídio na Ucrânia: "quando um não quer, dois não brigam". Foi torpe, mas populistas latinoamericanos podem agir assim porque deles tudo se desculpa. Agora, inclusive disse textualmente que jamais comparou os dois países. Haverá quem acredite. Quem ousar questionar será imediatamente carimbado como extrema-direita, linha auxiliar do bolsonarismo, fascista, nazista ou coisa que o valha.

Em Portugal foi diferente, resolveram cobrar Lula com firmeza e educação. O nosso presidente disse que não havia entendido a pergunta. Com toda sinceridade, quem está até agora sem entender nada somos nós.

Há duas possibilidades. Lula pode ter entendido a pergunta e usado do subterfúgio de fingir que não entendeu para ganhar tempo de responder e esfriar um pouco a situação. A outra é que ele pode ter ouvido uma pergunta claríssima e realmente não ter entendido. Sinceramente, eu não sei dizer qual situação é pior e mais vexatória.