Topo

Madeleine Lacsko

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Banir o Telegram é bom marketing, mas sinal de desespero

Logotipos do WhatsApp e Telegram em tela de celular - Getty Images
Logotipos do WhatsApp e Telegram em tela de celular Imagem: Getty Images

Colunista do UOL

26/04/2023 20h23

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido

Muita gente está comemorando o banimento do Telegram. Natural querer revanche nessa situação, se vai resolver o problema são outros quinhentos. Para muitos não importa, preferimos vingança a justiça.

Eu já fui, muitos anos atrás, da turma que defendia banimento de redes sociais por estarem fora da lei. Quando a gente conhece pouco do tema, como era meu caso, parecia fazer muito sentido. É, no entanto, um "Vale a Pena Ver de Novo" que já teve final ruim. Isso já foi feito várias vezes nos últimos anos e não deu certo.

Talvez você se lembre dos diversos banimentos do WhatsApp no Brasil por volta de 2016. Ou do banimento do Telegram em março do ano passado. Nada disso atingiu os resultados desejados pelas decisões judiciais, que era resolver os casos em questão e prevenir que se repetissem.

O primeiro obstáculo é a viabilidade real da medida no médio e no longo prazo. Felizmente, jamais chegamos nesse ponto. Os banimentos anteriores foram de dias ou horas. Outros países chegaram, inclusive aquele de origem do Telegram, a Rússia.

Lá, Vladimir Putin queria os dados de usuários que estavam desafiando a lei russa. Ali, diferente do que ocorre no Brasil, era evidentemente perseguição política. Outra diferença importantíssima é que a Rússia é uma ditadura e nós não. Mas o Telegram nasceu lá.

Quando a situação realmente apertou, a empresa mudou sua sede para os Emirados Árabes Unidos. Meses depois, a Rússia liberou o Telegram novamente porque, na prática, ele estava sendo usado e a ditadura não queria se expor ao ridículo da falta de controle ou de pulso.

China e Irã também impediram o Telegram por problemas semelhantes. Recentemente, a China já declarou que a rede é proibida mas, se for assessada via VPN - mascarando o IP e oficialmente acessando como se fosse de outro país - a rede está liberada. A inteligência do Irã já admitiu oficialmente que milhões de cidadãos utilizam a plataforma de forma cotidiana, apesar da proibição.

Esse é um problema de regulamentação que todos os países, democráticos ou não, enfrentam. A internet não é nacional, é mundial. As leis são locais. Essa visão está muito clara nas nossas melhores leis sobre universo digital, o Marco Civil da Internet e a Lei Geral de Proteção de Dados. São legislações construídas ouvindo diversos especialistas e mirando na solução de problemas reais, não em marketing ou casuísmo.

Já ouvi que o Telegram merece um corretivo. Concordo com isso. Ocorre que a suspensão não vai dar corretivo nenhum na rede nem nos criminosos que atuam nela. Quem sofre o primeiro baque e paga o pato é gente honesta, que usa o Telegram para negócios lícitos. Eles serão os últimos a procurar uma burla, querem andar na lei. Vão amargar o prejuízo que não merecem.

Os grupos criminosos encontrados pela Polícia Federal é que merecem um corretivo. São indivíduos que estão em grupos do Telegram, mas não só aí. E exatamente pelo perfil de atuar fora da lei, têm muito mais facilidade para se reorganizar de forma ilegal.

Um exemplo clássico é o Discord, outra rede social. É uma plataforma que muita gente usa para atividades lícitas. Crianças usam para papear durante jogos online, por exemplo. Ocorre que ali também há focos perigosos de organização de adoradores e planejadores de massacres em escolas. Mas a rede não tem sede no Brasil, o que a deixa mais longe do alcance da nossa lei.
Outro ponto a ser levado em conta é a reorganização em novas plataformas. Isso não é factível para quem tem negócios legais e quer andar na lei, mas é relativamente fácil para criminosos porque a tecnologia permite. Extremistas vivem se reorganizando dessa forma.

Quanto mais se pesa a mão sobre plataformas que estão dispostas a se legalizar e responder a autoridades nacionais, mais se cria mercado para aquelas que não estão dispostas a nada disso. É uma equação ainda difícil de resolver no mundo todo.

Aqui também entra a questão da segurança jurídica, levantada há 7 anos nas várias suspensões do WhatsApp em território nacional. Ficamos diante de uma situação em que juízes de milhares de comarcas podem decidir em uma canetada pela suspensão de serviços utilizados principalmente de forma lícita em todas as outras comarcas do país.

Novos serviços de internet, fundamentais para a inovação de outros setores da economia, raramente têm condições de fundar sedes em todos os países que operam. É um mercado diferente. Imagine o custo de enfrentar regulações particulares de milhares de comarcas em um único país.

Talvez a ameaça de bloqueio faça o Telegram se mexer esta vez. Não sabemos ainda se isso vai ou não desvendar quem são os grupos envolvidos nos atentados contra escolas. Já sabemos que, de forma casuística, existe uma possibilidade de funcionar. Mas não é uma solução.

Como marketing, é um movimento de mestre. A cultura brasileira é punitivista e vingativa. A impressão de dar a alguém o castigo que merece favorece muito a imagem das nossas autoridades. Como solução, é um sinal de desespero. Temos um problema complexo que ainda não resolvemos e estamos apelando a soluções casuísticas que não impediram a repetição dos mesmos problemas.