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Madeleine Lacsko

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

As cotas falharam com as mulheres na política brasileira

Michelle Bolsonaro retificou a declaração realizada mais cedo em evento - Reprodução/Instagram/Michelle Bolsonaro
Michelle Bolsonaro retificou a declaração realizada mais cedo em evento Imagem: Reprodução/Instagram/Michelle Bolsonaro

Colunista do UOL

08/05/2023 18h50

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Depois da regulação das redes sociais, o próximo tema a ser sugado pela chinelagem do fla-flu político é cotas para mulheres. Começou com uma declaração de Michelle Bolsonaro no evento do PL Mulher em São Paulo este final de semana.

"Esse projeto foi criado para fortalecer o protagonismo feminino, visando identificar novas lideranças. Nós queremos, presidente Valdemar, erradicar a cota dos 30%, queremos a mulher na política pelo seu potencial", declarou.

É uma fala ambígua. Não dá para saber se a presidente do PL Mulher defendeu o fim imediato das cotas ou disse que espera que elas não sejam mais necessárias.

Como muitas pessoas do mesmo espectro político têm advogado há anos - e com tintas fortíssimas - pelo fim de qualquer tipo de cota, foi o entendimento de muitos. Michelle Bolsonaro acabou fazendo uma retificação: "Retificando, eu sou a favor da cota, sim. Nós queremos mulheres na política pelo seu potencial, pelo seu protagonismo. Nós não queremos apenas cumprir uma cota de 30%. Nós acreditamos no potencial de cada mulher que entra na política brasileira. Muito obrigada pelo carinho de cada um de vocês."

Tema em alta, surge um outro tema, o uso da verba exclusiva de candidaturas femininas para pagar segurança. A justificativa é a realidade de violência política contra mulheres, algo real e bastante acirrado nos últimos anos. Existe uma dúvida ainda não resolvida pelo TSE sobre essas despesas. Não se cravou a possibilidade do uso para segurança.

Parece algo favorável às mulheres, mas acaba sendo um remendo que nos coloca em desvantagem. As cotas surgiram em 1997, mas a burla era não investir o mesmo nessas candidaturas. Ficou decidido então que a cota de investimento deveria acompanhar a do número de candidaturas. Surge agora mais um obstáculo. A violência política contra mulheres aumenta num nível tão insano que é necessário contratar segurança particular para que candidatas permaneçam na política. Então a verba da campanha, que deveria ser igual, seria gasta só por mulheres com segurança. No balanço final, o investimento nas ações da candidatura em si seriam novamente menores.

Em 2021, um artigo de Maria Eloisa Capurro para a Bloomberg sentenciou que as políticas de cotas tinham falhado com as mulheres na América Latina. Na época, no ranking da Inter-Parliamentary Union, o Brasil estava na posição de número 141 no percentual de mulheres no parlamento, apenas 15%.

É ridículo, mas é uma melhora. Na legislatura em que as cotas foram criadas, a de 1995 a 1999, havia 39 mulheres entre deputadas e senadoras. Eram 6,56% do parlamento. Parece um salto para 15% em 2021. Em 2023, como mostrou uma coluna de Jamil Chade, a participação aumentou para 17,7% na Câmara e 16% no Senado.

O último ranking da Inter-Parliamentary Union leva em conta dados de 2018 e coloca o Brasil na posição 132 de mulheres no parlamento. Estamos junto com o Paraguai e o sultanato do Bahrein. Estão à nossa frente países como Líbia, Uzbequistão, Arábia Saudita, Afeganistão e Coreia do Norte.

Geralmente, o parlamento reflete a sociedade. Isso não ocorre, no entanto, com a representação feminina. Na sociedade as mulheres são muito mais presentes e poderosas do que na política e é preciso corrigir essa distorção.

Já temos a política de cotas há 35 anos. Da forma como foi estabelecida, ela não trouxe para nós, mulheres, o resultado esperado. Queremos a igualdade e, no mínimo, a correspondência na política da representatividade social. Outras políticas estruturais são necessárias para que isso aconteça. Elas serão possíveis trazendo os adultos para a sala e discutindo quais são as barreiras reais e como eliminar ou contornar. Infelizmente, nada disso faz sucesso na lógica do fla-flu político.