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Madeleine Lacsko

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Demonização do Telegram revela despreparo para promover regulação eficiente

Logotipos do WhatsApp e Telegram em tela de celular - Getty Images
Logotipos do WhatsApp e Telegram em tela de celular Imagem: Getty Images

Colunista do UOL

10/05/2023 10h24

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O mais novo embate com o Telegram mostra que o moralismo de conto de Nelson Rodrigues se instalou de vez na política. Veio acompanhado também do despreparo orgulhoso para debater temas técnicos.

"O pior inimigo do conhecimento não é a ignorância, é a ilusão do conhecimento", sentenciou Daniel Boorstin no livro The Image há mais de 50 anos. Ele era diretor da biblioteca do Congresso dos Estados Unidos e descrevia um fenômeno que se tornou cada vez mais presente na política.

As reações à mensagem do Telegram se posicionando contra o PL 2630 parecem um programa do João Kleber levado a sério. Tem sido uma tônica dos advogados do projeto tratar todo mundo feito idiota ou nazista. Talvez realmente pensem isso, mas não parece boa tática para conseguir maioria.

No melhor estilo Che Guevara de apartamento, o líder do governo no Congresso comparou o Telegram ao aparato nazista de repressão e guerra. Pode ser útil para que o parque de areia antialérgica da militância se sinta matando Hitler a tuitada. É, no entanto, um deboche com as vítimas do nazismo e seus descendentes.

Inferir que a mensagem do Telegram seria decisiva para a posição das pessoas sobre o projeto é um raciocínio simplista que vemos diante de toda nova tecnologia. As pessoas que não entendem o tema mas juram que são experts, nossos campeões do efeito Dunning-kruger, juram que aquilo é capaz de dominar seres humanos como se fossem zumbis.

É algo parecido com a ideia de proibir games violentos. Os cavaleiros do Apocalipse estão há décadas com esse discurso, completamente divorciados da realidade. Mas efetivamente muitos acreditam até hoje que, se um adolescente jogar um game violento, ele vai executar atos violentos fora do game. Um deputado bolsonarista e o presidente Lula chegaram a vocalizar coisas do gênero recentemente. Parece absurdo, mas lembremos que tem gente em pleno 2023 acreditando que a terra é plana.

Os efeitos da mensagem do Telegram sobre as pessoas dependem em primeiro lugar de que elas leiam a mensagem. A dinâmica das redes sociais tem premiado justamente quem não leu, gerando um gigantesco exército de comentadores de manchetes.

O mais provável é que o uso da tal mensagem seja o da sinalização de virtude para o próprio grupo. Quem já é contra o PL vai dar um print qualquer e postar algo do tipo "Telegram prova que este é o PL da censura". Quem já é favorável vai dar um print qualquer e postar que "o Telegram é nazista". Essas pessoas não serão convencidas pela mensagem.

Falemos agora de quem está fora dessa idiotização em massa e, em tese, poderia debater o assunto. O convencimento não depende apenas do que está no texto, depende primeiramente da imagem que a pessoa tem do Telegram e das Big Techs.

Mesmo quem é crítico do PL 2630, como eu sou, não tem boa imagem desse setor. Evidentemente tudo o que eles publicam é enviesado por interesses bilionários e pela intenção de manter o setor sem nenhuma regulamentação.

Sinceramente, eu tento imaginar quem é o público-alvo que lê algo escrito e assinado por uma Big Tech e se convence de que aquilo é a realidade objetiva. Talvez seja o mesmo pessoal que acredita quando essas mesmas empresas fazem manifestos pela diversidade e inclusão.

Demonizar o Telegram como maior meio de veiculação de neonazismo é uma demonstração inequívoca de despreparo. Não há uma medida disso. Existem inúmeros grupos ativos em plataformas que não têm sede no Brasil, como o Discord. Outros tantos estão em serviços que nem legalizados são, os da Dark Web, que costumamos chamar de Deep Web.

Caso o Telegram desse os dados dos grupos neonazistas, o problema seria resolvido? Os dados fornecidos poderiam ou não ser suficientes para incriminar e prender pessoas, não sabemos. Além disso, os grupos simplesmente continuariam nas plataformas que estão à margem da regulação ou criariam novos serviços.

A única coisa eficiente nesse debate tem sido a moralização de bedel de escola de freira, o clima de luta do bem contra o mal está instaurado. Uma regulação eficiente exigiria outro clima, de coesão social e conexão com a realidade.