Topo

Madeleine Lacsko

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Quase ganhamos uma mordaça no Dia da Liberdade de Imprensa

Colunista do UOL

07/06/2023 20h55

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido

Hoje, 7 de junho, celebramos o Dia Nacional da Liberdade de Imprensa. Por um triz não ganhamos de presente uma mordaça chamada de lei de discriminação contra pessoas politicamente expostas. A deputada Dani Cunha, filha de Eduardo Cunha, criou este novo crime que chegou a entrar na pauta de ontem em regime de urgência.

A coincidência de datas é mais significativa porque o dia de hoje não é, como tantos outros, instituído aleatoriamente por bom mocismo ou por marketing de algum parlamentar. É uma data simbólica da luta dos jornalistas brasileiros contra a ditadura militar e fruto dessa luta.

O Dia Nacional da Liberdade de Imprensa foi instituído durante o governo Geisel, em 1977, em plena ditadura militar. Na época, 3 mil jornalistas brasileiros tiveram a coragem de dar a cara em público e assinar um manifesto defendendo a liberdade de imprensa.

Não era pouca coisa. Um ano e meio antes, o jornalista Wladimir Herzog foi executado no DOPS (Departamento de Ordem Política e Social) em São Paulo. O laudo necroscópico teve a desfaçatez de apontar suicídio a despeito da foto autoexplicativa, uma das mais famosas do jornalismo brasileiro.

Herzog estava pendurado pelo pescoço e ajoelhado, uma situação impossível. Era um recado claro de cena montada e de justificativa oficial para a barbárie.

A esse fato se somava a realidade do dia a dia das redações, ocupadas por censores oficiais. Eles se encarregavam de limar todas as publicações que incomodassem o governo. Dar a cara a tapa e defender a liberdade de imprensa nessas situações é um ato de coragem.

Hoje lembramos o dia em que centenas de jornalistas brasileiros se uniram em torno de um ato de coragem para defender a liberdade de imprensa. Deve ser um norte para a manutenção dos nossos princípios democráticos e também honrar a história de quem se arriscou para que pudéssemos hoje ter imprensa livre.

Por pouco não acordamos hoje para comemorar essa data com uma mordaça imposta pelo PL 2720/2023. Ele define, em seu artigo 4º, o seguinte:

"Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou decoro, somente
em razão da condição de pessoa politicamente exposta ou que figure na posição de parte ré de processo judicial em curso ou por ter decisão de condenação sem trânsito em julgado proferida em seu desfavor.
Pena: reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa".

O projeto era o terceiro da pauta de ontem, a ser votado em regime de urgência e por votação simbólica. Havia um acordo partidário sobre isso, mas o Novo, o PSOL e o PCdoB exigiram votação nominal. Isso fez com que ele saísse de pauta. A votação não faria com que essa regra entrasse em vigor imediatamente, é um passo processual.

A natureza do projeto é outra, regular de forma diferente os chamados PPEs, Pessoas Politicamente Expostas. Isso tem impacto principalmente no sistema financeiro e na contratação por empresas.

Hoje, não são só os parlamentares que se enquadram nisso. O entorno deles e parentes de até segundo grau também são enquadrados. Isso significa que essas pessoas podem ter empregos e até aberturas de contas bancárias negadas.

A autora do projeto, deputada Dani Cunha, argumenta com razão que não há motivo para que parentes de até segundo grau de um parlamentar tenham negativas para abertura de contas ou contratações profissionais simplesmente por essa ligação. O projeto redefine quem seriam as pessoas enquadradas nessas restrições e quais restrições seriam lícitas ou não. Ela tem outro projeto nesse sentido.

No entanto, o projeto também aborda a questão da liberdade de expressão, limitando o que pode ou não ser dito sobre as Pessoas Politicamente Expostas ou que figurem como réus em ações penais não transitadas em julgado. Resta saber quais seriam as interpretações dessa regra na vida real.