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Madeleine Lacsko

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

A live flopada de Lula

Presidente Lula em transmissão de live ao vivo - Reprodução
Presidente Lula em transmissão de live ao vivo Imagem: Reprodução

Colunista do UOL

13/06/2023 18h50

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O presidente Lula tentou hoje reinaugurar a era em que as lives presidenciais dominavam o debate público e a narrativa política, mas a transmissão flopou. Os números ficaram muito distantes dos diálogos diretos de Bolsonaro com seu público, sempre acima de 1 milhão de visualizações. Além disso, não foi capaz de dominar as manchetes na imprensa.

A audiência simultânea ao vivo ficou em torno de 6 mil pessoas no YouTube. Às 18h, a transmissão via YouTube contava com quase 80 mil visualizações. No Facebook eram 74 mil visualizações. São números que revelam o tamanho do desafio da comunicação presidencial diante da falta de entendimento do universo digital.

Apesar de usar a internet, foi uma transmissão no formato analógico clássico, o mesmo que Lula usava em seus primeiros mandatos, quando conduzia o programa "Café com o Presidente". Ocorre que já se passaram 20 anos, o mundo mudou. E nem naquela época o programa presidencial dava conta de pautar o debate político.

Lula disse que as realizações de seu governo não chamam tanta atenção quanto os problemas. Procurou fazer um aceno para o agro e para a classe média. Sabendo fazer uma live, o conteúdo poderia ter alcançado o objetivo desejado.

Lives são intimistas, uma aproximação do dono do canal com seu público. Isso já faz parte da cultura digital. Jair Bolsonaro dominava o formato até pela história política que construiu. A ideia da live era justamente uma interlocução direta com o público sem a intermediação da imprensa.

O formato escolhido, analógico, de entrevista, subverte essa lógica. Foi um programa apresentado pelo experiente jornalista, ex-global, Marcos Uchôa. Já é o ponto de partida para que não atinja seu objetivo.

Não há como produzir um clima intimista e de interlocução direta com o público diante da mediação de alguém tão experiente no jornalismo tradicional. Seria diferente se o próprio Lula tivesse conduzido a live.

Em comícios, o presidente é um craque no storytelling. Tecnicamente, é a contação de histórias que cria conexões emocionais com o público. São fatos reais e narrativas em torno deles capazes de despertar sentimentos e emoções na audiência. O formato de entrevista sobre temas genéricos e a aura formal e "arrumadinha" da apresentação impediu que esse objetivo fosse alcançado.

As lives políticas geralmente começam com uma prévia do que será abordado e emendam fatos quentes com comentários pessoais sobre eles, além de histórias pessoais que sejam ou pareçam terem sido contadas pela primeira vez para aquela audiência específica.

Esse material que magnetiza a audiência a partir da projeção de emoções não esteve presente. O tom era muito mais próximo do formalismo de programas de televisão analógicos. Esses programas ainda funcionam quando feitos por jornalistas e produtores independentes, vindo do governo é outra história. Tem um perfume inconfundível de "Voz do Brasil".

O horário também não favorece. No chat, canais de cortes reclamavam da escolha, já que preferem o período noturno. Esses canais, muito famosos hoje, não produzem material, monetizam com material alheio. Fazem cortes interessantes e curtos de lives longas para gerar visualizações. Isso também serve para criar interesse sobre a live completa.

A reclamação vinha até de canais de cortes que se identificam com Lula. Um dos comentários é revelador sobre o problema com o formato e o horário, não com Lula.

O PT foi pioneiro em mobilizar o ambiente virtual. Em outubro de 2011, um congresso do partido criou os MAVs, núcleos de militância em ambientes virtuais. Tentava adaptar para a era digital uma militância de base social formada durante décadas. Isso é particularmente importante quando as redes pautam a imprensa.

Jair Bolsonaro não tem base social, consolidou seus apoiadores pela militância digital, que começou de forma pioneira com emails em 2002. Primeiro promoveu a candidatura presidencial de Ciro Gomes e depois o voto em Lula no segundo turno. Cresceu a partir desse público, num trabalho que foi adaptado às redes sociais.

Lula já incorporou ao próprio vocabulário a ideia de narrativa, conforme deixou claro na interação com Nicolás Maduro. Não incorporou, no entanto, a execução da ideia. Dominar o ambiente virtual é uma necessidade política e nessa área o governo tem um enorme desafio.