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Madeleine Lacsko

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Após denunciar corrupção presidencial, jornalista amarga 6 anos de cadeia

cultura do cancelamento censura silêncio opinião fake news - wildpixel/Getty Images/iStockphoto
cultura do cancelamento censura silêncio opinião fake news Imagem: wildpixel/Getty Images/iStockphoto

Colunista do UOL

14/06/2023 19h14

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O sistema judicial da Guatemala acaba de sentenciar a 6 anos de prisão um dos jornalistas mais renomados do país e da América Latina, José Rubén Zamora. Depois que ele irritou o governo do direitista Alejandro Giammattei publicando 137 denúncias de irregularidades na administração, um processo judicial fantástico o colocou atrás das grades.

Antes que o preconceito contra a América Latina de alguns fale mais alto e se use o caso para justificar ações no Brasil ou colocar os amigos de Lula na conversa, cumpre dizer que o presidente guatemalteca é de direita. Foi eleito em 2020 prometendo coisas do tipo pena de morte.

José Rubén Zamora talvez seja o jornalista mais premiado de seu país, dono de três jornais desde a década de 1990. Sempre foi combativo. Já recebeu o Prêmio Internacional de Liberdade de Imprensa do Comitê de Proteção a Jornalistas (CPJ) e o Prêmio Maria Moors Cabot da Universidade de Columbia.

A prisão é vista por entidades internacionais de defesa do jornalismo e da liberdade de expressão como represália clara à atuação da imprensa. O Ministério Público da Guatemala garante que não tem nada disso e estamos diante de uma investigação normal de lavagem de dinheiro.

Uma única testemunha acusou o jornalista de lavagem de dinheiro, dizendo que ele havia oferecido uma quantia por esse tipo de trabalho. Em menos de 72 horas se montou um processo que resultou na prisão, buscas em apreensões em que o jornal foi impedido de imprimir, funcionários ficaram incomunicáveis e até os netos do jornalista foram detidos. Ele nunca saiu da cadeia nos últimos meses. Depois disso, o jornal foi invadido, teve suas contas canceladas, os anunciantes foram intimidados, foram abertas investigações contra 8 jornalistas do mesmo jornal. Alguns aceitaram fazer acordo e admitir culpa sobre qualquer coisa para sair da cadeia.

Quatro dos advogados de defesa do jornalista se demitiram no curso do processo. Um deles abandonou o país, outro teve que enfrentar a prisão e o último advogado responsável pela defesa foi vinculado a um processo judicial.

O caso mais grave é o de Mario Castañeda, ex-advogado de Zamora e ex-promotor. Ele foi para uma prisão de segurança máxima com criminosos perigosos que ele próprio havia conseguido condenar quando promotor que ele havia levado à prisão quando era promotor. Acabou aceitando um acordo.

Nesse clima foi feito hoje o julgamento que decidiu manter José Rubén Zamora preso por seis anos. Felizmente há resistência no jornalismo guatemalteca diante da ofensiva governamental. Vários deles se reuniram no coletivo "No Nos Callarán", que denúncia a ofensiva governamental contra a liberdade de imprensa.

Uma das líderes do grupo, Marielos Monzón, explica que a escolha do jornalista punido foi estratégica para tentar calar no atacado. "Eles o fizeram com José Rubén. O que eles pensaram? Um jornalista como José Rubén, reconhecido, premiado, uma pessoa com muito peso no país... se isso aconteceu com ele, pode acontecer com qualquer um de nós. Ou seja, isso gera uma escolha exemplar. 'Se fizemos isso com ele, podemos fazê-lo com qualquer um'", declarou a jornalista à LatAm Journalism Review meses atrás.

A liberdade de expressão na Guatemala começou a ser desmontada no governo anterior, do também conservador Jimmy Morales.

No ano de 2019, diante das pressões políticas sobre o sistema de Justiça, o então presidente expulsou a Comissão Internacional contra a Impunidade (CICIG) do país.

Começou uma onda de perseguições, todas amparadas por processos kafianianos, contra os que denunciavam corrupção na Guatemala. Hoje, há pelo menos vinte juízes e procuradores que decidiram sair do país. A então Procuradora-Geral, Thelma Aldana, vive em Washington e tem agora três mandados de prisão na Guatemala.

Em contrapartida, diversos juízes e promotores notadamente corruptos e autoritários foram premiados pelo presidente da Guatemala. Vários dos envolvidos no processo do jornalista e integrantes da cúpula da Justiça e Ministério Público constam da Lista de Atores Corruptos e Antidemocráticos elaborada pelo Departamento de Estado dos Estados Unidos.

Embora ainda tenha eleições, a Guatemala já está sendo vista como um Estado Autoritário. É algo que se estabeleceu aos poucos, à medida em que instituições que deveriam controlar o governo se curvaram a ele. É um dia triste para o jornalismo latino-americano.