Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.
Covid-19: 500 mil vidas perdidas e a juventude abatida pelo negacionismo
No pouco tempo que sobra para ver a cidade, tem sido cada vez mais comum cruzar com crianças e adolescentes em situação de trabalho infantil. Um cartaz revela o pedido: me ajude porque estou passando fome. Meu coração sempre aperta. Sou mãe e sei que é imensurável o tamanho da dor provocada pela falta de condições de curar a fome do seu filho. Como fomos deixar que a fome voltasse?
A volta da fome é uma das principais consequências da falta de planejamento e de coordenação para estabelecer políticas que pudessem conter essa situação extrema. As crianças e jovens estão sendo atingidos em cheio. Há a volta da fome, o aumento do trabalho infantil e a evasão escolar recorde.
A marca das 500 mil vidas perdidas para a covid-19 traz consigo o aprofundamento da desigualdade, que se soma à tristeza, ao pesar, à revolta, ao luto. É uma das consequências do negacionismo implementado sistematicamente pelo governo federal e encabeçado pelo presidente da República, Jair Bolsonaro (sem partido). Por ação e por omissão, se negligenciou o cuidado que o Estado deve ter com a parcela mais vulnerável da nossa população.
Mira-se, agora, uma estratégia com fins eleitoreiros: pode ser que, finalmente, os ministérios da Economia e da Cidadania consigam parir uma política pública que garanta o mínimo para quem está em situação de extrema pobreza, o que foi incapaz de fazer até agora. O problema é que o governo se move não por sua responsabilidade mas, sim, por desejo de poder. O que influencia na popularidade, como vimos com o auxílio emergencial de 600 reais, é comida na barriga. Porque não é possível sequer pensar direito sem se alimentar. E é nisso que o governo foca.
Também não há sinais de que o governo Bolsonaro queira conhecer a nova configuração familiar imposta pela pandemia de coronavírus: muitas famílias brasileiras perderam pai e mãe, chefes de família, que provinham a casa. Com isso, adolescentes e jovens tiveram que deixar a escola para trabalhar. E aí se inicia um ciclo que leva o jovem a não conseguir trabalho formal, com direitos e garantias, porque não completou a escola. Nessa espiral da precarização, a pobreza se multiplica.
O Estado tem obrigação de lidar com isso. Uma política pública bem pensada e bem implementada teria amenizado esse problema. O Brasil tem tecnologia social para tanto. Mas é preciso priorizar a vida e não a eleição. Ficou constatado que essa —a proteção da vida— não é uma característica do governo Bolsonaro.
O Brasil é o país de meio milhão de pessoas abatidas pela covid e por mais tantas milhões em extrema vulnerabilidade, acometidas pelas consequências da política negacionista, pela omissão e por uma disputa macabra pelo poder.
Mais de 5,1 milhão de crianças e adolescentes estavam, em novembro de 2020, sem acesso ao direito fundamental à Educação, como mostra um estudo realizado pelo Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância) e Cenpec (Centro de Estudos e Pesquisas em Educação). É o mesmo patamar de 20 anos atrás. Os especialistas recomendam a busca ativa por esses jovens.
O ensino à distância também não se mostrou eficaz para quem não tem acesso à tecnologia, internet e computador. Mas o governo federal fomenta a ideia de "homeschooling" (ensino domiciliar). Como se isso fosse solução no país que tem fome.
Quando tudo isso passar, será preciso restabelecer a esperança. Ainda não sabemos o que este período pode provocar na juventude. As dificuldades certamente estão postas. Mas também a força que vai emergir de dentro de quem passou por um tempo tão extremo pode ser o que nos faça retomar a alegria e tudo o que vem com ela. É o que disse, em seu livro "Tempo de voo", o escritor e professor Bartolomeu Campos de Queirós: "o tempo só anda pra frente. A memória protege tanto o vivido como o sonhado."
Que a memória do que vivemos hoje nos traga a força para reconstituir a esperança, a alegria e o amor que perdemos.
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