Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Postura intimidatória de Onyx em caso Covaxin esconde um Bolsonaro acuado
A demissão do ex-ministro Ricardo Salles (Meio Ambiente), fiel escudeiro da base ideológica de Jair Bolsonaro (sem partido), é mais um sinal de que o presidente se sente acuado. Sua queda seria uma estratégia para encobrir, com novos fatos, a investigação sobre o superfaturamento na compra da vacina Covaxin, revelada pelo Estadão nesta terça (22).
Jair começou a semana irritado — teve que engolir os protestos numerosos contra ele no sábado (19) — e humilhou a jornalista Laurene Santos, da TV Vanguarda, afiliada da Rede Globo. Depois da fúria, veio a pressão da CPI da Covid, que deu lugar ao medo. O presidente, então, demitiu um ministro que já estava mais que capenga, montando o contexto caótico que lhe é peculiar em situações em que está encurralado.
O caso da Covaxin, ao que tudo indica, é muito grave.
Nesse lugar incômodo e diante de um possível grande escândalo de sua gestão, Bolsonaro convocou mais um de seus soldados devotos, o ministro Onyx Lorenzoni (Secretaria Geral da Presidência) para negar tudo sem, no entanto, responder aos questionamentos dos jornalistas presentes à declaração na tarde desta quarta (23). Chamou a atenção a ausência dos ministros militares, sempre presentes em momentos de crise.
Com essa tática, o governo embaralha o cenário, confunde a opinião pública e tenta fazer da grave denúncia "a maior fake news já produzida no Brasil", como afirmou Lorenzoni. O chefe da Secretaria Geral da Presidência ameaçou os denunciantes, dizendo que o governo federal pedirá à Polícia Federal (PF) e à Controladoria-Geral da União (CGU) que investiguem o servidor do Ministério da Saúde que denunciou as supostas irregularidades.
Mas essa postura intimidatória acaba por botar o presidente da República no foco das investigações da CPI da Covid. O relator da Comissão, Renan Calheiros (MDB-AL), disse que convocará Onyx Lorenzoni para a CPI "caso ele continue coagindo a testemunha" e que poderá pedir sua prisão, em entrevista à Globonews. O vice-presidente da CPI, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), disse acreditar que o país está diante de um "gigantesco esquema de corrupção".
Há muitas questões a serem respondidas e Bolsonaro e seus ministros têm a obrigação de esclarecer. Não adianta o presidente ficar nervoso. E se não deve, por que temer?
A queda de Salles
A queda do agora ex-ministro Ricardo Salles (Meio Ambiente) já era esperada: nos dois anos e meio em que liderou a pasta, operou uma política destrutiva do meio ambiente e das comunidades indígenas, favorecendo o desmatamento, a mineração ilegal e o garimpo, além de estar envolvidos em denúncias de corrupção na fiscalização da venda de madeira ilícita. Até que durou muito, para quem foi flagrado armando "passar a boiada".
Há menos de 20 dias, o ministro Alexandre de Moraes do STF (Supremo Tribunal Federal) consultou a PGR (Procuradoria Geral da República) sobre a possibilidade de afastamento do cargo e de prisão de Salles, por ter alterado seu número de telefone e ocultado seu celular no curso das investigações. Mas o vice-procurador-geral da República, Humberto Jacques de Medeiros, considerou a questão resolvida, mesmo Salles tendo entregado o aparelho à Polícia Federal 19 dias depois das buscas contra o então ministro do Meio Ambiente.
Salles tem em sua conta o maior desmatamento já registrado nos últimos 12 anos. É o que mostra m levantamento divulgado nesta quarta (23) pelo Instituto Socioambiental (ISA): a taxa de desmatamento na Amazônia Legal Brasileira, dentro das unidades de conservação, avançou 48,3% em 2019 e 2020, em comparação com os dois anos anteriores. Segundo o relatório, que considerou os dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), só no ano passado 1.085.100 hectares de floresta foram destruídos. O desmatamento também aconteceu em terras indígenas, com avanço da taxa em 42,5%.
Agora, sem o cargo de ministro e sem a PGR, a possibilidade de prisão de Salles se torna mais real. E sobra "uma penca de processos", como alertou o próprio Jair Bolsonaro em evento do plano Safra, na terça (22).
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